Escrever sem cansaço

Esse texto foi publicado em setembro de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

Eu estaria mentindo se dissesse que não tenho, nas minhas gavetas, alguns romances para publicar, pois acho que nada mais fiz na vida, nas minhas madrugadas, senão escrever, quando o mundo ficava em silêncio.

Tenho, sim, alguns livros, penso que cinco ou seis. E no entanto estão lá, quietinhos, apesar dos protestos dos meus amigos que, sendo os primeiros a lê-los nos originais, brigam comigo por causa desse silêncio de morte. O fato é que, a cada final de livro, vem o cansaço total, algo que me parece o esgotamento de um parto de criação.

É algo quase impossível de explicar, pelo menos para mim. Da mesma forma como não consigo explicar o processo de criação. O fato é que há livros em minhas gavetas, já escritos, mas que eu não publicarei conforme estão. Parecem-me superados logo depois que escrevo as últimas palavras, como se as transformações não permitissem nada de definitivo para os personagens.

Assim, teriam que ser reescritos, pois quem os escreveu também mudou. Por isso, ficam lá, tumularmente silenciosos. E não foi isso o que aconteceu com “Arco, Tarco, Verva”, o livro com que estamos comemorando o primeiro aniversário de A Província.

Todas aquelas palavras que, edição por edição, foram publicadas no nosso Guia Auxilliar, tiradas do povo, de seu cotidiano, algumas esquecidas, outras ainda tão vivas em nossa linguagem. Com “Arco, Tarco, Verva”, não houve qualquer cansaço de parto, nem a solidão do autor.

Houve uma satisfação perene de ir contando, escrevendo. Na verdade, eu não estava gerando nada, mas alegrando-me com o que existia, que era belo, que era bom. Não gerei e nem pari, mas tive um profundo caso de amor.

Não inventei palavras, frases, expressões – elas estão por aí. Então, foi uma alegria estar com elas, conviver com elas, num namoro, num idílio, talvez uma paixão. Pois foi apaixonante escrever o “Arco, Tarco, Verva”. Era como se eu escrevesse de mim mesmo e de todos, de onde a rapidez do entendimento.

Carcá ferro, tacá ferro, carcá a molera, malemá, guirigui – são palavras fantásticas, talvez arquetípicas, como que uma herança comum que vem lá do fundo de nós mesmos, embora evitê-mos fala-las, assim como o homem evita seu subconsciente.

Não houve parto, nem dor, nem cansaços finais quando concluí a linha final. Houve festa na alma, alegria, como se Dionísio tivesse mostrado uma realidade mais digna de ser vivida para Apolo. Escrever “Arco, Tarco, Verva” foi, para mim, uma experiência e uma aventura particularmente lúdicas. E me senti feliz, como se no reencontro de uma criança que eu não sabia mais onde estava. Bom dia.

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