À espera de um amor

O texto foi publicado em O Diário em 19 de março de 1982. E depois selecionado para o livro Bom Dia – Crônicas de Autoexílio e Prisão, lançado em 2014

Era inverno quando ela se foi. E, ao partir, deixou o inverno dentro de minha alma, o frio permanente, a alma nublada, cinzenta, a tristeza de entardeceres bruscos e noites escuras. Veio a primavera e não vi as flores se abrindo e nem árvores coloridas, a natureza policrômica. Não vi, pois continuou inverno dentro de mim, ainda mais gélido numa prisão sem grades. E a primavera se foi e chegou o verão. Não o vi chegar, como também agora não o vejo ir-se o outono despontando em todas as coisas. Ainda é inverno em minha alma.

Aqui, conto as horas dos dias, os dias da semana, as semanas dos meses. E guardo comigo o inverno em que ela se foi, o último aceno antes de desaparecer diante de meus olhos, o meu retorno pela estrada solitária, não sabendo se havia bruma no ar ou se a bruma estava em meus olhos.

Agora outono novamente. E sei que me falta uma, apenas uma estação para ela voltar. E voltará quando o inverno chegar e então, milagrosamente será primavera em meu coração. Pois nunca pensei que cada dia fosse uma eternidade e que as horas da saudade pudessem ser tão tolas, e tão vazias as madrugadas. O piano que emudeceu, a tela em que incompleta ficou a paisagem, a pintura por terminar, a cama vazia, o lugar vago, a espera da carta ou do telefonema, a esperança de o barulho do portão ser ela quem faz, entrando com seu sorriso meigo e seu beijo cálidos, os livros apontados contra o peito juvenil.

Chegou novamente o outono. Mais uma estação, apenas mais uma. Lá se foi o inverno e foram-se novamente a primavera e o verão. É mentira, uma cruel mentira daquelas que me disseram: o tempo diminui a saudade. O tempo nada mais faz do que aumentar a certeza da ausência, a vontade de querer ver, de querer ter por perto e próximo quem está distante, impossível de ser tocado com as mãos. De minha parte, eu nunca soube quando se iniciam ou terminam as estações. Mas agora sei. E aguardo que cheguem e que se vão o mais rapidamente possível, à espera de que outro inverno venha, trazendo-a de volta da mesma maneira que chegou.

Tenho apenas receio de não suportar a espera e de o coração e a alma congelarem-se antes de o outro inverno chegar. Saudade mata, sim. E, lentamente, morte espiritual, morde cada minuto de cada dia. O inverno chegou. Falta apenas mais uma estação. Ela então voltará. Aguardo, sem saber por quanto tempo ficará. Mas me bastará um dia, nada mais que um dia. Um abraço, um beijo, o som da sua voz. No próximo inverno voltarei a vê-la, a tê-la, minha filha, meu amor. Esperar, esperar… Bom dia.

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