“Esta nunca será uma cidade grande…”

picture (80)Na escrita dos céus, Piracicaba não tem o destino de ser uma cidade grande. Para nós, reservou-se a especialíssima responsabilidade de sermos uma grande cidade. Cidades grandes são inchaços. Grandes cidades são modelos de urbanismo e de urbanidade, uma dos mais engenhosas criações humanas para a convivência, para a busca de uma vida comum mais serena e digna.

Somos uma terra de lendas maravilhosas. Ora, lendas não são superstições. Lendas são legendas, o que deve ser lido, entendido, contado e, na história humana, mitos e o extraordinário são parte integrante de nossa construção espiritual. Sem esta, não há futuro e nem esperança. E Piracicaba – terra de espiritualidade ímpar, de respeito ao sagrado do povo e da alma popular – corre o risco de se banalizar, tornando-se um lugar de brutalidades e de disputas estéreis, não mais um lugar de viver, que é o sonho humano ao se idealizar a cidade.

Pois bem. Há discussões mundiais sobre o inchaço e a explosão das grandes cidades, metrópoles e megalópoles. Elas fugiram a seu destino. Piracicaba não pode fugir ao seu, que é o de ser um grande cidade e não uma cidade grande, como nos deixou gravado no espírito e na alma a lenda de Nossa Senhora dos Prazeres, a que retornou para o seu santuário, em Vila Rezende.

Apenas para relembrar: Nossa Senhora, quando substituída por Santo Antônio – malandragem que Antônio Corrêa Barbosa, o Povoador, fez ao se definir o orago da povoação – ter-se-ia magoado e, levada pelos anjos, profetizou, na curva do rio: “Esta nunca será uma cidade grande…” Não foi praga de mãe, nem maldição. Pelo contrário: foi bendição, conforme a lenda, da santa que estava acima das paixões humanas. Era como se ela nos tivesse deixado como herança uma convicção, uma certeza: se quisesse ser cidade grande, na visão de seus administradores, Piracicaba seria infeliz. Mas seria bem-aventurada se, como aconteceu até aqui, aceitasse e quisesse ser a “grande cidade”, grande na qualidade de vida, grande na herança espiritual, grande na harmonia da convivência, grande na cultura, grande nas artes, grande família, grande lar.

O mundo, não apenas o Brasil, discute o caos das cidades grandes. Enquanto isso, por falta de uma visão universal e humanitária, há quem, em Piracicaba, queira que esta seja uma cidade grande – cidade de automóveis, cidade de violência, cidade de disputas e de oportunismos – deixando de ser a grande cidade que sempre fomos, com vida espiritual intensa, com uma história peculiar e com um modelo de convivência encantador.

Piracicaba, “fim de linha”, foi como que um lamento que os tolos fizeram por muito tempo em nossa cidade. “Fim de linha” era o lugar onde parou a estrada de ferro. Que parou aqui pela clarividência e sabedoria de nossos ancestrais, que anteviram e quiseram uma cidade auto-sustentável, uma cidade com vida e raízes próprias e não um lugar de passagem para aventureiros. Esse “fim de linha” permitiu-nos criar uma cultura própria, uma singularidade invejável. Tornamo-nos um nicho especial entre os paulistas.

Os que estão construindo uma cidade para imitar metrópoles cometem crime de lesa cidade, profanadores de uma história. Desenvolvimento não é inchaço. E há um delírio irresponsável para inchar Piracicaba, no esquecimento da cultura, da educação, da saúde. Que lembremos pois de nossas lendas, de uma sábia e sagrada mitologia que nos acompanha, herança dos ancestrais: “Esta nunca será uma cidade grande”, graças aos céus. Profecia para dizer que somos, precisamos ser, continuar sendo uma “grande cidade”. E bom dia.

Deixe uma resposta