Eu quero ser Deus

Tenho amigos que me condenam pelo que dizem ser falta de ambição minha. Eles me consideram um homem sem ambições. Mas estão equivocados. Sou o mais ambicioso dos homens, jamais conheci alguém tão ambicioso como eu, e esse é o meu problema: eu quero ser Deus, um desejo que tenho desde o momento em que descobri a maravilha do mundo e da vida, desde que descobri que Deus é o dono de tudo isso.

Há alguém mais privilegiado que Deus? Onipresente, onipotente, onisciente – aquele que é “tudo” e o “todo”? Desde a minha meninice fui encantado pela ideia de Deus. Quando eu perguntava coisas que nem eu nem as pessoas sabiam, elas me diziam que “só Deus sabia”. Quando eu via mortes sem sentido e sem explicação, as pessoas me diziam que era “ vontade de Deus”. Quando eu fazia coisas que me agradavam, mas que as pessoas diziam ser erradas e feias, eu lhes perguntava por que eram erradas e feias e elas me diziam: “por que Deus não gosta”.

Se as pessoas tidas como boas sofriam e eu queria saber a razão do sofrimento delas, havia uma explicação: “Deus quer”. E se havia pessoas ruins que, no entanto, viviam alegres e contentes, lá ia eu querendo saber por que eram contentes e alegres se se dizia que eram ruins, e a resposta era imediata: “é a vontade de Deus”. Tudo era a vontade de Deus, foi isso que sempre aprendi, que sempre me ensinaram, que sempre me disseram quando havia coisas sem explicação.

O modelo empolgante de homem é Deus. Então, senti que haveria de ser Deus – onipresente, onipotente, onisciente como Deus. Por isso, tornei-me escritor. Escrevendo, faço o mundo e a vida conforme a minha maneira, sou o dono do cenário, das situações, das pessoas. Faço-as nascer e morrer, conforme a minha vontade e desejo. Transformo santas em prostitutas, prostitutas em santas. Faço-as se felizes ou infelizes, bonitas ou feias, ricas ou pobres, dependendo de simpatizar-me ou antipatizar-me com elas. Escrevendo, posso inventar guerra ou paz, e a justiça quem a faz sou eu. Em cada livro que escrevo, sou o dono de tudo, é a minha vontade que determina o destino das pessoas. Escrevendo, eu sou Deus. E os meus amigos dizem que eu não sou ambicioso, posso concordar com eles? Então, bom dia.

O texto foi publicado originalmente em julho de 1988 no jornal A Província

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