Fases da vida
Um amigo me lembra de uma fábula de Nietsche, sobre as caminhadas humanas. Segundo o filósofo, o homem, ao longo da vida e a partir de sua infância, passa por três fases, que tem características próprias.
A primeira, o símbolo é o camelo, quando as pessoas começam a aprender e por isso se tornam obedientes: na família, na escola, nas primeiras atividades profissionais.
Depois, vem a do leão, a fase e o tempo da luta quando não apenas se usa o pouco que se aprendeu, mas se vai em busca de todos os combates e de todas as conquistas. E, finalmente, tendo sido camelo e leão, o homem, se tiver sabedoria, chega à fase da criança. Esta é a principal de todas, ser criança, brincar com a vida, ver o mundo e a existência como algo lúdico e prazeroso, despido de tolices convencionais, de ambições sem sentido, de atropelos suicidas.
Acho que, por inspiração dos deuses, ultrapassei com relativa facilidade as fases do camelo e do leão, deixei de sê-los, adquirindo um mínimo de sabedoria que começa a permitir o surgimento dessa fase terminal humana, a da criança.
E tudo se transforma porque, o principal de tudo, é que se aprende a rir-se do que, antes, pareciam ser problemas, dificuldades intransponíveis.
Na verdade, eles não existem. Acostumamo-nos enquanto camelos e leões que tudo são problemas quando, na realidade, a maioria deles são apenas contingências da vida, aspectos contingenciais.
Acho que, no fundo, tudo se resume no sentido da vida, no sentido que se dá à existência. Duas perguntinhas apenas, por que ou para que viver? Nas respostas que se der, aí está o sentido da vida. Ora, eu sei que camelo e leão têm dificuldades para entender dessas coisas, ora apenas aprendendo e obedecendo, ora lutando lutas inúteis. Mas a criança sabe. E sabe que viver é mais fácil do que sobreviver. Acontece, apenas, que viver é algo que acontece por dentro, a partir do coração.
Um outro amigo me falou certa vez: “ Amar é fácil, qualquer um ama; o difícil é saber amar”. Acho que é por aí. O difícil é saber viver.
*Publicada originalmente na Tribuna Piracicaba em 17/03/1993