Feijãozinho com arroz

Pelo menos em meu caso, neste tempo de vida, admito que escrever não me tem sentido maior senão o de contar coisas. Quando se vê muito por muito tempo, é como se não se visse mais nada. Tudo parece igual.

Quando eram adolescentes, aos filhos tentei explicar-lhes diferenças entre um jovem e um adulto. Sintetizava-as no sinal de trânsito proibido. Numa estrada, vendo o sinal de trânsito impedido, o adulto segue o desvio, evita de ir em frente. O adolescente vê o sinal, não acredita, segue e, quando encontra a barreira, retorna. Nesse não acreditar e não obedecer, estão dificuldades e também riquezas da vida: a experiência dos outros não vale. O jovem, tentando ver com os próprios olhos, acaba tendo problemas mas, por outro lado, pode chegar ao final do arco-íris. Ou encontrar o começo. O adulto, crendo apenas na experiência, imobiliza-se, negando-se a chance da aventura.

Pois são outros, sonhos e alegrias de pessoas adultas. Para os jovens, há sempre o sentido da descoberta, do novo, do desconhecido. Para o adulto, quase tudo são apenas redescobertas, reencontros, recuperações. A aventura está na decisão de, enfim, fazer o que não se fez, de recomeçar, de refazer e, também, de encerrar. Há muito mais um retorno de alegrias antigas do que novas. Ao saber de algumas coisas, aprende-se a saboreá-las, na profunda identidade entre saber e sabor. Sabedoria, portanto, seria viver esse sabor que há na vida, nos tempos, nas pessoas, nas coisas. Aprende-se até a fazer coquetéis de sabores. Limão tem sabor de limão; mel, de mel. Mas mel com limão tem outro sabor, que pode ser especial. Por que não?

Talvez, seja nesse “ter gosto”, nesse “ter sabor”, que se descubram algumas coisas. Quem apenas engole e devora, não sente sabor. Empanturra-se, sem saborear. Viver é ir petiscando, provando, degustando, sentir saibos e ressaibos daquilo que se prova. Com pessoas, também. Dizer essas coisas, porém, aos moços, para quê? Viver, vive-se vivendo. Não há quem ensine. É preciso participar de banquetes pantagruélicos, de mesas fartas e de rituais nababescos, das festas orgíacas para, então, revalorizar o trivial simples. É quando e onde, pois, se entende o descanso daqueles que viveram os ditos anos dourados. Foram bons por terem ficado na lembrança. Mas deixaram de existir.

Quando me convidam a festas populares, recuso-me a ir. Não suportaria mais multidões, ruídos sem fim. Não suportaria mais. A serenidade, quando encontrada ou redescoberta, é bem de tal forma precioso que nada o substitui. É um saber que precisa ser saboreado como refeição trivial, simples e bem feitam, feijãozinho com arroz, caseiro e honesto.

A riqueza do banal: comprar supérfluos em supermercado, tomar vinho a dois, ver filmes de mãos dadas, aguardar netos e filhos, comer pipoca, ganhar pamonha de presente, espreguiçar-se na rede, permitir que fugas de Bach se misturem a vôos de passarinhos, olhar nuvens no céu e, no céu, ver a Lua mudar de humor, encontrar mais ninhos de beija-flor, ser chamado de “vovô”, ler para sentir e sem precisar entender, nadar de madrugada, cochilar sob caramanchão, ouvir cricrilar de grilos e pios de corujas… Então, haverá Primavera no Outono do coração. Bom dia.

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