Feitiços da África

ÁfricaOs olhos do mundo voltam-se para a África com deslumbramentos e espantos de quem está diante do mistério. Na verdade, é o umbigo da humanidade que vi ao encontro do umbigo da mãe, a Mãe África, onde começou a aventura humana. E, com certeza, nunca houve mãe mais desprezada, judiada, explorada, maltratada e injustiçada do que essa Mãe África, berço de todas as generosidades e maravilhas, mas palco, também, de horrores.

Não creio haja alguém que, pelo menos em um momento da vida, não teve o seu imaginário voltado em direção à África, com seus mistérios e feitiços, com sua pluralidade étnica, belezas naturais sufocantes. E, no entanto, não creio, também, haja alguém que, à simples referência da África, não se lembre de tragédias sem fim: escravidão, lutas fratricidas, o apartheid, a exploração do branco em relação ao negro, a invasão de países que, julgando-se conquistadores, acabaram sendo os conquistados.

Essa Copa do Mundo na África do Sul teria tudo para revelar o que aquele país e o continente tem de melhor, não fosse o também estranho feitiço africano para despertar, nas pessoas, inquietações de alma que parecem despertar os mais ocultos, mas ainda vivos, preconceitos e temores. As reportagens brasileiras, na cobertura da Copa africana, parecem, quase todas, tomadas de um cacoete doentio que tem marcado o jornalismo de nossos tempos: a cegueira diante do belo, a hipnose diante do ruim.

Ora, a miséria e as favelas, a pobreza e os problemas africanos ainda continuam, como continuam não mais na América do Sul e Caribe, mas em todo o mundo. A economia neoliberal aprofundou o abismo entre os muito ricos e os muito pobres. Os chamados países emergentes começam a dar lições aos poderosos de como superar crises, de como descortinar o futuro. E a África do Sul tem sido, pós Mandela, um dos exemplos mais vivos e apaixonantes de quanto pode um povo sofrido e massacrado realizar de bom e grandioso em tão pouco tempo. São apenas 16 anos desde quando Nelson Mandela, rompeu o apartheid, menos de 20 anos. E, no entanto, repórteres insistem, tola e estupidamente, em afirmar que o raciscmo e o preconceito ainda existem, como se isso fosse novidade. Claro que existem e que existirão ainda por muito tempo, mas o milagre já aconteceu e é o novo que devemos celebrar e não o lixo que ficou ainda debaixo do tapete.

Há racismo nos Estados Unidos, em toda a Europa, no Brasil – mas a África do Sul de Nelson Mandela se tornou um bastião e uma referência de como e de quanto pode um povo quando, apaixonado pela liberdade, conseguir e alcançar de dignidade e em direitos. A Copa do Mundo – unindo a magia do futebol aos feitiços da África do Sul – tem tudo para ser, para o mundo, um cenário onde os homens consigam ver celebradas a fraternidade, a solidariedade e, mais do que nunca, o poder da consciência dos povos diante da opressão e da tirania. Esse cacoete jornalístico em busca do ruim, do feio, do lixo está se transformando em doença. E jornalistas não estão percebendo que o mundo está cansado de enfermidades morais. Bom dia.

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