Felicidade, imoralidades excitantes

picture.aspxNuma reunião de amigos, concluímos termos chegado a um tempo de vida harmoniosa. Quase cometi a ousadia de dizer que vida feliz, mas lembrei da saudosa Hilda Hilst, notável escritora e encantadora mulher, de quem me tornei amigo em seus últimos tempos. Entrevistando-a, pedi-lhe um conceito de felicidade e ela não hesitou: “Santidade ou imbecilidade.”

Para Hilda, apenas santos ou imbecis são felizes. Ora, não sou, nunca fui santo nem imbecil. Mas sei ter escolhido o lugar mais próximo dessa plenitude de vida, opção vital: Piracicaba. Aqui nascendo, fui apresentado a um povo consciente de sua história. E quis ser parte dela, desse meu primeiro referencial de vida. Tudo o que eu sonhei aconteceu e, ainda, acontece aqui. Já admiti várias vezes: fosse em outro lugar do mundo – Londres, Roma, Paris , sei lá – não teria importância. Meu sonho foi ser escritor. Aqui. Para cantar minha terra. E contar.

Ora, nunca tive humildade em sonhos. Se é para sonhar, sonho tudo, sonho com o infinito, a pretensão absoluta. A loucura delirante de João Chiarini estimulava-me. Para ele, eu – em minha adolescência – pavoneava, como ainda pavoneio: “Jorge Amado é bobo. Piracicaba tem personagens mais fascinantes do que as dele, mais do que o mundo todo.” E eu pensava – além dos ícones de sempre, de Luiz de Queiroz a Mário Dedini – em Neguito, Zinho Muié, Cabo Júlio, Espetete, Nhô Lica, Estefânia – alguns dos personagens do romance que, no final dos meus dias, irei escrever. Irei. Vencerei céus e infernos, idade e problemas de saúde – mas contarei essa história. Jurei que a contarei. Tenho que contá-la.

Volto a insistir nessas coisas até como um lembrete, senão como alerta, a quem não entende ou finge não entender. Não quero, não posso, não sei, não irei participar de toda essa farsa que acontece em Piracicaba, envolvendo políticos, homens de negócios, até igrejas e universidades. Recusar-me a participar não significa, no entanto, alheamento, pois se, como cidadão, não consigo suportar tantos conluios e mentiras, essas aviltantes negociações e artimanhas, é meu dever de jornalista enfrenta-las. Já conheci descarados, eles sempre existiram. Agora, no entanto, o nível do descaramento espanta. Ou apenas isso: perdeu-se a vergonha.

De minha parte, confesso saber ser árduo lutar contra isso, mas é dever. Tento ser herdeiro de honrados intelectuais piracicabanos – entre eles, Leo Vaz, Jacob Diehl Neto, Leandro Guerrini, Antônio Oswaldo Ferraz – que ajudaram a construir uma história secular, a nossa história comum. Sem meu umbigo, nada mais tem importância. A minha é uma herança de jornalismo digno. Por isso, não consigo conviver com gente esperta, que usa da inteligência para a esperteza, esse pérfido exercício de compra e venda de consciências. Não consigo. Mas sei contar. Sei, insisto, daquilo que não sei no sentido filosófico, socrático. Mas não sou santo e nem imbecil. Por isso, também sei do que sei.

Que se vá devagar com o andor, pois o santo é de barro. Já escrevi sobre isso quando os sempre oportunistas de plantão saudaram a celebridade do momento. Ser ministro ou secretário de governos – em cargos de confiança – isso depende, apenas, de uma assinatura., de um convite. Nem sempre se avaliam honra ou dignidade. Bandidos já foram presidentes de repúblicas. Política é universo de interesses. Eu mesmo, no passado, fui convidado a ser secretário de governo, a participar de ministérios, independentemente de meus talentos, de dignidade ou de competência. Eu era, então, parte de um esquema. Não aceitei. Nunca. E tem gente por aí que -àquele tempo – ainda usava calças curtas.

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