Femina e musculus

picture (45)Sei lá o que, já ao nascer, nos é enxertado no coração, que fonte vulcânica, quê de lagos plácidos, quanto de ternura e, também, os tantos poços de raiva. O fato é que, do coração aos olhos, tudo acontece e se manifesta: amor e ódio, ternura e raiva, desejo e repúdio, vontade de matar, vontade de devorar o outro. Com um olhar faminto, o homem fala à mulher amada: “Devorei você, querida.” E ela, se com raiva: “E eu o mato com os olhos.”

Pois foi isso o que senti. Sabe, aquele olhar de extermínio, a certeza de fuzilamento? Foi o que vi, explodindo como faíscas, escapando aos olhos de uma queridíssima amiga, intelectual das mais lúcidas, inteligência exuberante. Estávamos – enquanto uma jovem mulher nos observava – comentando a questão que é a hecatombe universal, crime de lesa humanidade, mais letal do que mil bombas atômicas: o relacionamento homem/mulher. Hoje, isso é o quê? Mais ainda: o que é ser homem? E ser mulher, que diabo de coisa é essa ?

Netos meu me dizem estar, eu, ficando gagá. Ainda não sei se se trata de elogio ou crítica. Mas devo estar. Pois, há alguns anos, um advogado jovenzinho, quando alguém de um clube de proteção aos animais me processou, sendo amigo do juiz, saiu-se em minha defesa: “Vá com jeito, excelência. O carinha (eu) é um velhinho gagá.” E, por gagá, ele queria dizer que eu era gente boa, dá para acreditar? No entanto, para os netos, o avô está gagá mesmo, no sentido de debilóide.

Seja o que for, caí na besteira de, em conversa com minha genial amiga,, acreditar no brilhantismo de minha filosofice: “Mulheres, quando nos xingam de machos, fazem-nos grande elogio. Pois a vida é isso: relação macho e fêmea.” Então, o olhar de fuzilamento: “Fêmea? Você está dizendo que somos fêmeas?” De medo, quase saltei da cadeira, fugindo. Mas a porta estava fechada. Agüentei firme. Respondi: “Mais ou menos”.

Ora, quase lancei, há algum tempo, uma coluna o título que “Femina”. Seria a respeito do feminino, de “femina” das velhas origens latinas, a “foemina”. Minha inspiração fôra a Ana Paula Padrão, a apresentadora de tevê, que trocara a grande emissora por uma menorzinha, alegando: “Emprego, encontro outro; marido igual ao meu, não.” Para mim, ela foi feminina por inteiro. Pois, em tempos de tanta carência de homem, mulher que tenha um há que segurar. Ainda acho isso. E nem sei por onde anda a Ana Paula Padrão.

Gagá ou não, o fato é que ainda acredito em homem e mulher, em macho e fêmea. Desde a histórica “Encyclopédie” – de Diderot, de d´Alembert – lá está a definição de mulher: “fêmea do homem”, ou “oposto de macho”. E o homem, coitadinho, era um ser capaz de sentir, de refletir, de pensar, de mover-se – melhor e mais malvado do que o animal. Sei lá. Como as palavras, os gêneros masculino e feminino parece que também mudam com o tempo. Mas esse é assunto para o Papa e eu não tenho nada a ver com isso.

De minha parte, encanto-me com a sabedoria da antiga língua latina e suas explicações, que me soam mais saborosas: mulher é mulher porque é “mulier”, toda mole, delicada; o homem, “homine” é “masculus”, másculo por força de seus músculos. Ora, não é a coisa mais bonitinha um encontro assim: a mulher, molezinha, “femina”, com o homem, o “masculus”, de músculos duros e fortes? Daí, nasce a vida. Ou nascia.

Enquanto isso, o homem vai cumprindo o último papel de macho que lhe restou: acompanhar a “femina” às compras. Para empurrar o carrinho. E bom dia.

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