Feriados e dias úteis

FeriadosConfesso nunca ter entendido bem o conceito de “dias úteis”. Quando há, como em mais esta semana que se finda, o feriado dito prolongado, diz-se que é uma semana com “poucos dias úteis”. Logo, por dia útil tem-se entendido aquele em que o trabalho e a produção se exercem plenamente. E, portanto, apenas as atividades produtoras são úteis. Não entendo, pois me parece uma visão apenas utilitarista da vida e isso é perigoso, filosoficamente complicado e moralmente questionável.

Por que o domingo, o feriado não seriam dias úteis se, neles, há a possibilidade de as pessoas se voltarem para si mesmas, para os seus, para amigos, para atividades que podem ser ainda mais generosas em relação aos outros e à própria comunidade? Conheço como que um exército de pessoas que, em feriados e dias de descanso – os tais dias inúteis pelo conceito de mundo a partir da produção e da economia – fazem obras admiráveis de voluntariado, de serviço a necessitados, de entrega de si mesmas a crianças, idosos, doentes, presidiários. Nos chamados “dias úteis”, essas mesmas pessoas se tornam absolutamente inúteis para os que necessitam de proteção, de solidariedade, de uma visão compassiva e generosa da vida.

A prevalência da economia sobre todos os demais valores humanos acabou por criar-nos um estilo de vida que, na realidade, é inumano. Há poucos dias, relatórios de órgãos do comércio e da indústria apresentaram o que, segundo eles, são prejuízos imensos para a economia por força de feriados prolongados. Ou seja: o referencial é apenas a produção, a escala de valores é marcada por um caderninho onde se anotam lucros e perdas, teres e haveres. Mas o ser humano é mais do que isso. Aliás, é isso – essa qualificação do homem conforme sua produtividade – que nos tem roubado a verdadeira humanidade, uma dimensão espiritual e moral que explicou o sentido mais nobre da presença do homem no mundo.

Nunca me esqueço do que a mim mesmo me aconteceu, há alguns anos passados. Eu escolhera morar num lugar recolhido, isolado, tendo pessoas e famílias simples como vizinhos, como se fossem pequeninas chácaras isoladas umas das outras. Mas as pessoas, ao entardecer, se encontravam, exercendo a arte hoje tão esquecida, a de prosear. As pessoas, pois, proseavam. E me viam poucas vezes, ora num supermercado próximo, ora quando de minhas caminhadas pelas trilhas ou ruas desertas.

Certa manhã, retirado em meu escritório, trabalhando em pesquisas históricas, ouvi, através da janela, a conversa de algumas mulheres que varriam as suas calçadas. O assunto delas era eu mesmo. E elas diziam morrer de pena de minha então mulher, que saía cedinho para o trabalho na universidade, enquanto eu, o marido, ficava em casa, segundo elas sem fazer nada. Elas diziam: “Imagine só, se isso é vida. A coitada da mulher sai para trabalhar e ele fica aí, dia e noite, lendo, lendo e escrevendo naquela maquininha.” Para elas, o trabalho intelectual não existia e, portanto, eu era um inútil. Também elas, humildes mulheres, estavam marcadas pelo esmagamento de uma economia cruel que pensa em produções em série, em resultados imediatos, em frutos palpáveis, tocáveis da produção.

Na realidade, se pensarmos bem, tem sido, para uma imensa maioria de pessoas, dias totalmente inúteis esses chamados dias úteis que tem servido para o esmagamento de pessoas que vivem uma verdadeira escravidão branca, trabalhando apenas para sobreviver, para o pão de cada dia, sem perspectivas de futuro ou à espera de uma aposentadoria que as levará à depressão ou a um final de vida em que continuarão contando migalhas das sobras do grande banquete do neoliberalismo moribundo mas ainda atuante.

Quando o notável sociólogo italiano, Domenico De Masi, lançou o livro “Ócio Criativo” nada mais fez do que dar início a uma revolução que começa a atingir o mundo do trabalho, humanizando-o. De Masi instigou a sociedade a, diante das novas tecnologias e em especial a internet, a interagir entre três dimensões: o trabalho propriamente dito, o estudo e o jogo como espaço lúdico. Conseguindo fazê-lo, o homem estaria criando o ócio criativo, responsável por dar alma à mecanização do trabalho e das pessoas. Ou ao trabalho dignifica ou avilta o homem. Acho que isso tem muito a ver com nossa decisão de dias úteis e de economia. Bom dia.

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