Flores pela internet

picture.aspxQuase todas as manhãs, recebo flores pela internet. Bonitas, comovem. Mas não têm textura. E nem perfume. Logo, não sei o que fazer delas. Penso em Neruda, que teria, agora, mais mil perguntas ainda a fazer. E em Sheerazade, que poderia contar mais do que mil-e-uma histórias em noites inquietas. Em que vaso se colocam flores da internet? E pétalas de rosa, que as moças deixavam secar entre páginas de livros – onde deixá-las agora?

O novo parece confundir-se com o novidadeiro. Ora, novo é o que começa. E a vida e as pessoas começaram muito antes de cada novidade. A flor já existia. Pessoas, também. A novidade está em dar flor a alguém pela internet. E isso tanto já se banaliza que, dentro em pouco, a novidade será de ontem: dar e receber flores verdadeiras.

As coisas têm começo e têm fim. E, no entanto, se repetem. Do caos ao dilúvio, tudo acontece. Cada geração quer enterrar o mundo encontrado pensando estar construindo seu mundo novo. Na verdade, porém, nada mais fazemos do que restaurar e reconstruir tempos e mundos já existentes. Em dezembro vivemos tudo isso, quando tudo parece chegar ao fim e, ao mesmo tempo, renascer através do simbolismo do Natal. É um ciclo que se fecha. E, então, o recomeço que, realmente, parece eterno.

Espanta-me esse amor virtual das pessoas através da internet. E me obriga a pensar e a rever conceitos. São pessoas apaixonando-se umas pelas outras, sem se conhecerem, sem se tocarem, sem sentir cheiro ou sabor. Ora, o sábio pôde dizer não estranhar tudo o que é humano. Mas há realidades esquisitas, o novo parece sempre estranho. Sem entender, refugio-me em Agostinho: “Amei o amor antes de tê-lo conhecido.” O ser humano nasceu, realmente, para o amor. Logo, o desamor seria enfermidade.

Uma nova humanidade surge a partir da internet. Pode ser esquisita, estranha, ainda adequando-se. Mas não é má. A tecnologia nada tem a ver, por si mesma, com bem ou com mal. Na internet – ao lado de enfermidades, de horrores – começam a surgir multidões de novos conhecidos, o caos e o dilúvio realizando-se: casamentos que terminam por causa de amores eletrônicos, pessoas cansadas que se revitalizam com correspondências virtuais. E, também, amores vívidos. Como entender?

Há multidões relacionando-se eletronicamente como se estivessem lado a lado, mais do que com o seu vizinho ou com quem convive na mesma casa. Os sentimentos são os mesmos, o meio é novo. É preciso entender o fenômeno para melhor compreender o ser humano. Quem diria pudesse haver calor humano na internet? Tem havido. E há que se respeitar pessoas – – tão massacradas por séculos de racionalidade, cartesianos, atômicos – vivenciando belezas que pareciam perdidas: o confessionário, o namoro, pudores, gentilezas, romantismos, quereres, sonhares, desejares.

A vida – atrelada ao poder – enlouquece. Mas,com a loucura, surge no ar um movimento novo. De retorno. As pessoas começam a retornar. Como aquela água do rio que, indo-se para o mar, parece passar. E passa. Passa como água para retornar como nuvem. E a nuvem faz-se chuva. E chove sobre o rio. E o rio corre para o mar. E o mar inventa a nuvem que volta ao céu. E que se faz chuva e que faz recomeçar. É a vida, em movimento.

É estranho: as pessoas não mais se dão flores, as verdadeiras, com aroma e frescor. E, no entanto, enviam, umas às outras, flores virtuais todas as manhãs. Flores não são deixadas às janelas. Mas chegam pela internet. O que é ficção? O que é realidade? (Ilustração: Araken Martins.)

Deixe uma resposta