Futuro coreano, estilo soviético

Somente o futuro dirá como serão as relações entre Piracicaba e a onda de imigração coreana. Estamos acostumados com ondas imigratórias. Na realidade, somos um povo forjado, formado, composto por riquezas culturais, lingüísticas, culinárias, por hábitos e costumes de portugueses e índios que aqui se encontravam. E de italianos, espanhóis, árabes, alemães, japoneses, suíços, franceses, ingleses, judeus e tantos outros. A beleza dessa integração esteve, ao longo dos séculos, no fato singular e fértil de ter havido assimilações.

Nenhuma das anteriores ondas imigratórias aqui chegaram – com exceção dos portugueses e ituanos povoadores – com intenções dominantes, impositivas. Nós os acolhemos, eles se foram adaptando, acabamos num processo harmônico de assimilação que se tornou identidade de Piracicaba. Soubemos conviver, apesar de preconceitos, divergências, diferenças, estranhezas. Duas palavras, porém, marcaram essa assimilação: nativos e pardais. Nós éramos os nativos; eles, os que chegavam, os pardais. A malvadeza estava em dizer que, sendo nosso o terreno, os recém-chegados não deveriam ciscar nele como se fossem pardais.

Para ser ainda mais franco e honesto, confesso que isso não mais me interessa, pois já me ponho a celebrar minhas cerimônias de adeus e minha última missão, minha responsabilidade final são a de ser simples aldeão contador de histórias de uma aldeia singular e especialíssima. Sei lá o que surgirá após essa onda coreana: quem assimilará quem, o quê será influenciado por outro quê. É problema de lideranças atuais, se ainda existirem.

Algo, no entanto, me instiga e me causa estranhezas, especialmente por minha ignorância em relação a negócios, comércio, mercado. Trata-se da verdadeira devastação urbana provocada pela infinidade de prediozinhos construídos em todos os cantos da cidade. Aos meus olhos, parecem um tsunami de construções pré-moldadas, sem identidade, ocupando espaços privilegiados de sítios, chácaras, matas, recantos da natureza. Fico perguntando-me: será que existem, mesmo, tantos compradores para tantos novos apartamentos, haveria essa multidão de moradores para novos e tantos outros prédios? Ou estaria havendo uma forte especulação, um estoque de residências em poder de grupos? Sei lá, eu, analfabeto em questões mercadológicas.

O que mais me incomoda, no entanto, é a questão estética. Piracicaba sempre foi uma cidade linda, singular, com arquitetura diferenciada, mesmo a dos mais pobrezinhos. Agora, nas poucas vezes em que circulo por aí, vejo esses conjuntos sem conto de blocos de cimento, uns iguais aos outros, como se fosse uma produção em série, um “fordismo” urbanístico. Quando olho esses conjuntos ainda em construção – tantos que parecem formigueiros – minha memória me remete ao auge da União Soviética, quando o governo dos sovietes inventou a solução para as moradias populares: eram conjuntos residenciais sem vida, sem alma, agrupamentos arquitetônicos apropriados para agrupamentos humanos. Não havia crescimento natural, mas enxertos artificiais.

Não gosto e nem quero pensar nisso. Mas meus neurônios insistem em ver uma nova paisagem, que nada tem mais a ver comigo: um futuro coreano, com jeitão soviético. Prefiro a terra amada que ainda permanece tão viva em meu coração. Bom dia.

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