Gagás e tartamudos

picture (27)Não sei haja quem, ainda, use o verbo tartamudear. Mas a verdade é que as pessoas, em tempos internéticos, mais tartamudeiam do que falam. São resmungos escritos e orais. De minha parte, convenço-me de que a palavra mais serve para dividir do que para comunicar. Têm, pois, razão os que descobriram o verdadeiro segredo da sabedoria: o silêncio. O povo sempre soube disso: “em boca fechada, não entra mosca.”

Ando com dificuldades para conversar com adolescentes. Tudo o que consigo ouvir deles é “hum,hum”. Preciso decifrar. Antigamente, quando as pessoas tartamudeavam, dizia-se que eram gagas, tatibitates, travadas, que eram trôpegas da língua, boquicheias, o escambal. Lembro-me de que, quando não se entendia o que o outro falava, dizia-se que o dito-cujo greguejava. Ou seja: falava grego. Agora, fala-se apenas por resmungos e por gestos. E os desentendimentos multiplicam-se. Disseram-me tratar-se da linguagem da MTV, de orkut, do diabo a quatro, mas desisti de entender. Resolvi adotar método próprio.

Por isso, enquanto não me calo de vez – tornando-me tartamudo, num canto solitário – decidi passar por velho gagá, mesmo por ter plena consciência de estar ficando caduco. E eis outra palavra que dá confusão: caduco. Pois, há poucos meses, escrevi que um certo político estava caduco e não sabia. O homem, em tempo de campanha eleitoral, quase enlouqueceu, querendo processar-me. E precisei explicar que caduco é o que caducou, com prazo de validade vencido. Basta ir às farmácias ou supermercados. Apanha-se um produto e, se estiver com prazo de validade vencido, diz-se que caducou. Por que, pois, estranhar que pessoas caduquem quando já estejam com tempo vencido? Eu me sinto caducando, mais e mais. E acho ótimo.

Outro dia, num acidente, o motorista do ônibus berrou: “Velho não deveria mais dirigir.” Respondi: “Não sou velho, sou antigo.” Cantarolando Silvio Caldas, ouvi de uma das filhas:”Ih, pai, , como você é antigo.” Respondi: “Não sou antigo, sou velho.” E de minha irmã mais velha: “Você está ficando um velho muito antigo.” Respondi: “Não sou velho, nem sou antigo. Sou idoso.”

Ora, há dias em que me sinto um velho bem moderninho, atualizado; noutros, sinto-me antigo e atropelado pelos tempos. Ainda não freqüento bailes da saudade, nem participo encontros da terceira idade, mas tenho certeza de que há, no mundo, um esplendor de idosos. Pelo menos de minha parte, sinto-me cada vez mais vivo, atrevido, fingido, mentiroso, aproveitador de situações. Outro dia, num banco, dei um show de, digamos assim, longevidade: mandei o vigia abrir a porta, mostrando-lhe minha carteirinha de marca-passo; furei a fila, passei à frente da moçada. E ninguém tugiu ou mugiu, em usando outra expressão antiga. Ou velha.

Boa diversão, ultimamente, eu a aprendi na internet. Divirto-me com o pessoal de telemarketing que me telefona à noite, aos sábados, nas horas e dias mais impróprios, vendendo coisas. A moça quer falar com o dono da casa. Pergunto-lhe o nome e, por exemplo, ela diz: “Eu sou Deise, do banco…” E eu, todo carinhoso: “Deise, meu amor. Pare de fingir, querida. Você voltou? Ai, que saudade daquela nossa última noite, lembra-se?” Deise não entende e se atrapalha toda. E eu prossigo, ainda mais lépido e fagueiro: “Que bom, Deise, você ter-me procurado de novo. Onde vamos nos encontrar?” Então, a moça do telemarketing desliga, desistindo. Aprende-se com a vida. E bom dia. .

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