Garimpando na solidão

Este texto foi publicado em 4 de agosto de 1979 em O Diário. Foi selecionado para o livro “Bom Dia- Crônicas do Autoexílio e da Prisão”, lançado em 2014.

Solidão, apenas quando espontânea. Se forçosa, dói. Torna as noites difíceis. Aquele sentir-se só, a saudade das pessoas queridas. O querer ouvir e não encontrar vozes que falem. Na verdade, solidão não é sentir-se distante das pessoas, pois há solitários em meio a multidão e outros que não se sentem só mesmo quando estão sozinhos.

A solidão que dói é a de não ter nos joelhos nenhuma criança, a de não sentir no rosto o afago da mulher amada. De chegar a um quarto de hotel e encontrar tudo arrumadinho: nenhum brinquedo no chão, nem bola nem boneca. São questões difíceis, compensadas apenas quando os dedos batem no teclado da máquina de escrever, ansiosos, às vezes até mesmo doloridos, à procura de uma frase nova, de uma ideia que naão explodiu, de um sentimento que não conseguiu traduzir-se.

E lá me vou, noite adentro, lutando com e contra as palavras. Elas me desafiam, sabendo que estou em busca de sua musicalidade. Pois cada palavra tem musicalidade própria. E quero descobri-la, na tentativa de quem descobre uma palavra como quem dedilha um teclado, como quem faz soar um acorde. As palavras têm sustenidos e bemóis? Penso que sim. Falta descobri-los. Não se trata de métrica, rima ou ritmo. Mas de encontrar a harmonia de cada palavra. Não é maravilhoso um crepúsculo? Pois qual outra palavra tem um som tão lúgubre? Penumbra, por sua vez, é palavra doce. Quantas porém são tão tristes? É preciso, pois, procurar.

Talvez nunca encontre. Mas tentarei. Sem cansaços, da mesma forma como o pedreiro procura a melhor pá. O violinista, o mais suave violino. Um contador de histórias tem de ser um operário da palavra. Trabalhá-la, procurá-la, buscá-la, esmerilhá-la. Não ver anoitecer e nem esperar amanheceres. Ser garimpeiro. E esmerilhador. Que vai polindo, cortando arestas, buscando o melhor ângulo. Um operário como outro qualquer. Que sua, luta, madruga, desfalece, moreja.

E a solidão, onde entra? Ah, ela é que se torna a melhor companheira. A mais necessária, quem sabe? Pois quando dói ou quando bate, ou dela se foge ou nela se mergulha. Descobri que é melhor deixar-se envolver. Quando, pois, ela chega, saio em disparada, levando-a a um cantinho que descobri: um restaurante pequeno e intimista, com apenas 15 mesas. A última, a do cantinho, já é quase minha. Até os garçons sabem. Chego, sento-me, peço meu vinho vagabundo. Tiro minha caneta e meu bloco de papel e, entre goles compassados, vou procurando a melodia das palavras.

Noite dessas, um garço, dando-me do vinho, o frio doendo-nos na alma, perguntou-me: “O senhor é poeta?” Não respondi. Apenas pensei, quase chorando: “Quem me dera, quem me dera!” Bom dia.

 

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