Geniais soluções em supermercados

SupermercadosAcabarei desistindo de ir a supermercado. Quando encontro com amigos, eles não acreditam que eu esteja lá, sozinho, com sacola retornável. Pois, quase todos, sabem que mal distingo laranja de abacaxi. Aconteceu-me, a primeira vez, com uma velha e adorável amiga, a Silvia Mello Aires. Quase morri de vergonha. Mas fingi naturalidade. Mal desci do carro, à porta do supermercado, ela me viu e eu não soube se entrava, se saía correndo. Jovial, alegre, ela se admirou: “Olá, você por aqui?” E emendou: “E sozinho, sem mulher?” Nem me lembro mais do que lhe respondi, mas sei que menti e tinha motivos para fazê-lo.

Lembro-me de, à pergunta da cara amiga, meu cérebro ter entrado em erupção. Quando haveria, ela, de acreditar no motivo de eu estar no supermercado, as visitas que iria receber, moças, estudantes da PUC-Campinas que iriam entrevistar-me? Sem mulher para me ajudar, como eu iria recepcionar as moças, o quê e como servir? Meus amigos – e a torcida do Corinthians – conhecem a minha absoluta e profunda inabilidade para quase tudo na vida que exija habilidade manual e doméstica. O sempre saudoso Raul Coury – ao saber que estourei a tampa do fogão ao ferver água – telefonou-me, ensinou-me a fazer café, mandou por escrito. Não aprendi. Num jantar na casa da Silvia, certa vez, ela nos serviu coquetel de camarão, mais isso e mais aquilo, pratos requintados. Antes da sobremesa, perguntei ao Paulo Lessa, que saudade do Paulo: “E lambarizinho frito, não tem?” Não tinha.

Mas – ai! – agora, emocionei-me, perdeu a graça o que eu ia contar. Pois, de repente, bateu com tal força a saudade que, olhando em volta, percebi como a vida se fez um poço de ausências. Cadê Osmar Prado, José Leny Jardim, Armandinho Dedini, Geraldo Bastos, D.Aníger, Iracema Cossa, Madre Raquel, Zé Pretti, Elpídio Roberti, Carlos Cantarelli, tantos mortos queridos – cadê eles todos, todos os outros, a gente amada, cadê? Lágrima engasgada corta risos. Mas é impossível não sorrir àquela realidade que acabamos por descobrir tarde demais: “Éramos felizes e sabíamos.” A certeza de ter havido um tempo feliz, essa certeza traz cantos de passarinhos ao coração. Foi, o tempo todo, Primavera no mundo.

Tudo bem. Respiro fundo, retomo o início, quando a Silvia me viu no supermercado. Percebendo meu embaraço e sentindo cheiro de confusão, ele me perguntou o que eu estava querendo comprar, a certeza que ela tinha de que, fosse o que fosse, eu compraria gato por lebre. Inventei uma história, como explicar que, com minha mulher viajando, eu ia receber moças em casa, mesmo explicando “sabe, são umas cinco ou seis moças, daquelas metidas a inteligentes, lá da PUC, de Campinas.” Eu sabia que ela poderia responder: “É, é? Então, tá.” Daí, inventei: “Estou sozinho, vão uns amigos lá em casa, uns marmanjões. Pensei nuns aperitivos.”

A dama olhou de um lado, olhou para o outro, olhou-me dentro dos olhos: “Uns marmanjões…” – balbuciou ainda com mais “finesse”. Tive medo. E se ela me sugerisse comprar alguns queijos para ela caseiros, queijinhos “fourme d´ambert”, “gloucester”, “friesenkaas”? – afinal de contas, gente fina é gente fina, meu.

Ela, então, deu uma solução genial: “Olha aqui, turquinho. Você está no lugar errado. Ali, ao lado, tem uma padaria com sanduíches ótimos. Vá lá, compre uns três bem grandes e sirva os marmanjos.” E lá iria, eu, servir sanduba para as meninas da PUC? Só faltaria comprar gengibirra. Por isso, ainda hoje, quando vejo amigos em supermercados, tremo, suo frio, fico com receio de soluções geniais. De quando em quando, porém, são eles que me salvam explicando-me, quando olho na lista de compras, a diferença entre detergente e removedor. Bom dia.

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