A grande terra, a terra grande

Este texto foi publicado em 17 de março de 1983 e depois selecionado para o livro “Bom Dia – Crônicas do Autoexílio e da Prisão”.

Tomei uma decisão. E apenas haverei de revelá-la quando o juiz me conceder a prisão albergue. Ou, então, quando terminar de cumprir a pena, se não me for atendido o direito de trabalhar, de ir e vir. Eles não me venceram, apenas me derrotaram. E a derrota não está na prisão, mas no ideal que abracei. Não consegui realizá-lo. Foi uma vida toda de lutas por um ideal. Ou 26 anos de batalhas não são uma vida toda?

Era isso que me machucava, um ideal tão pequenino: apenas o de fazermos, desta terra, um lugar onde pudéssemos viver felizes e fraternalmente, convivendo com alegria e amor, e vontade de amar cada vez mais. Não quis outra coisa na vida. Da vida, outra coisa não quis. Talvez – admito – tenha sido mais por egoísmo do que por comunitarismo. Pois eu desejei que o mundo exterior, a minha cidade e a minha terra fossem tão lindos como o meu mundo interior, um mundo de paz e de harmonia, de confraternização. E o que são as cidades senão um lugar para morar e conviver?

Mas me esqueci e quando me lembrei pode ter sido tarde: “Se queres a paz, prepara-te para a guerra. ” Então, lutei, guerreei, aceitei o desafio sem saber quão difícil era. Ora, fui derrotado, mas não vencido. Pois, eu poderia continuar denunciando-os, acusando-os, mostrando as suas mazelas e o mal que nos fazem, predadores de um jardim sempre “cheio de flores, cheio de encantos”. Agora, porém, de nada mais adianta, já que eles destruíram toda uma terra e massacraram um povo. Eis, pois, minha derrota: não consegui evitar que acontecesse o pior, aquilo que eu temia.

Tive medo de que esta terra abençoada se tornasse apenas uma cidade grande, pois sabia nosso destino ser uma grande cidade, uma grande terra. Qual o destino do homem senão o da felicidade, a incessante procura dela? É preferível ser pequenino e feliz do que grande e infeliz. Éramos uma grande terra, grande na sua história, mas ainda pequenina em suas dimensões. Assim, sempre estivemos felizes. Agora, somos uma terra grande em dimensões, mas pequenina no prazer que nos causa. Fomos agredidos e violentados em nosso direito à felicidade. E o único sentido verdadeiro da vida está nessa busca de ser feliz aqui e agora, a partir de aqui e de agora.

E poderíamos continuar a sê-lo, ah! como poderíamos. Bastaria que nos reuníssemos em praça pública e, de braços dados, dançássemos cirandas e contássemos do que nos ia pela alma. Esse o mais acalentado de meus sonhos, mas irrealizado: o de podermos estar todos juntos, dizendo de nossas alegrias e tristezas, de anseios e de esperanças, de fraquezas e maravilhas interiores. Para quê uma terra grande se o fundamental é uma grande terra? O que é mais valioso: uma família grande ou uma grande família?

Guerreando, eu sonhei em defender nossa grande terra, com sua história singular, seu passado, sua vocação para a beleza e a cultura. Não consegui porém, realizar o sonho, tornando-o palpável, visível, perceptível. A grande terra se transformou em apenas uma terra grande. E a alegria morreu, o orgulho esvaneceu, a paz foi rompida pela violência, a harmonia, substituída pelos desencontros.

Já tomei, pois, minha decisão. Não me vejo mais neste tempo, nem neste lugar. Quando e se o Juiz me conceder a liberdade de ir e vir, contarei como será. Se ele, o juiz, não me concedê-la, deixarei para contar depois. Minha decisão foi a única opção possível. Pena sejam tão poucos os dispostos a assumir outra escolha. Bom dia.

Deixe uma resposta