Guerras contam a história

Nasci em plena II Guerra Mundial, em 1940. A primeira infância foi vivida sob o efeito catastrófico do conflito que repercutiu em todo o mundo. Havia medo, fome, angústias, ausência de perspectivas. As sombras do nazismo e do fascismo pairavam sobre todas as coisas. E me parece incrível, ainda hoje, que eu me lembre de cenas em que adultos falavam de guerra, de medos, ainda aos meus dois anos de idade. E me lembro da bomba atômica sobre Nagazáki, anunciada depois do primeiro morticínio em Hiroshima.

Naquela tarde, aguardava-se o fim do mundo assim que a bomba caísse sobre Nagazáki. Eu morava quase em frente ao então Cine Broadway e não entendia como as pessoas, naquele entardecer, podiam ir ao cinema. Para onde ir, se o mundo acabasse? Criancinha, eu não sabia, ainda, que, por mais terrível fosse, aquela não era a primeira guerra e nem seria a última. Precisei crescer e viver muito para entender os que diziam que a história da humanidade pode ser contada pela história das guerras.

Não me lembro – nestes meus já vividos 72 anos – de um período sequer em que não houvesse uma ou algumas guerras no mundo. Logo após o término da guerra mundial, houve guerras na China, na Coréia, na África, em todas as partes do mundo. Guerra cruel no Vietnam, no Camboja, golpes militares, a África em fogo, a América do Sul conturbada, o Oriente Médio explodindo em violência desde quando a ONU criou o Estado de Israel que deveria conviver com o Estado da Palestina. O horror da Guerra Fria, ameaça oculta, invisível que criou a bipolaridade do mundo, entre EUA e URSS.

Tempos de paz universal não existiram. Evitaram-se novas guerras mundiais, mas as regionais continuaram, continuam e não se sabe se algum dia terminarão. Os latinos diziam que “se queres a paz, prepara-te para a guerra.” (“Si vis pacem para bellum.”) Aliás, nunca entendi aquela frase evangélica: “Não vim trazer a paz, mas a espada.” Por mais explicações sejam dadas a estas palavras, por mais generosas sejam as interpretações, mesmo assim nunca consegui entendê-las a não ser na linha do armar-se para prevenir-se. Mas isso não é paz.

Agora, vemos as atrocidades das guerras todos os dias, todas as noites, ao vivo e em cores. São o espetáculo do cotidiano de forma que, de tão banalizado, nada mais nos espanta ou causa estranheza. Lembro-me daquele ataque às Torres Gêmeas em Nova York. Um amigo, em pânico, me telefonou para eu ligar a televisão e ver o horror que acontecia. Liguei. Vi um avião chocando-se contra a Torre. Pensei fosse filme, passei para outro canal. E para mais outro. As mesmas cenas se repetiam. Só então percebi não ser filme, mas o espetáculo real do horror. Meus olhos também já estavam acostumados com a espetacularização da violência.

Há pouco tempo, um gato caiu dentro de um poço. As câmeras de televisões acompanhavam a luta de bombeiros para salvar o gatinho. Havia angústia em todas as pessoas, o coração latejando pelo sofrimento do animalzinho. A população parou para acompanhar o trabalho de recuperação do gato afundado no poço. E se aliviou quando ele saiu ileso. No entanto, ninguém mais estranha ao ver crianças, velhos, mulheres, jovens esquartejados pelas bombas na Síria, na Faixa de Gaza, em Israel. A violência e a guerra se tornaram parte de nosso cotidiano. O mal foi mesmo banalizado. E as indignações desmaiaram.

Nestes 70 anos, não vi sequer resquícios da ambicionada paz universal. Tenho, pois, que admitir ser, a história do mundo, a história das guerras. E mais desgraçadamente ainda: a história de cada homem é a história de suas guerras para sobreviver. Se não voltarmos, com urgência, em busca do humanismo perdido, continuaremos animalizando-nos sem o perceber. Bom dia.

1 comentário

  1. Lavínia de Souza em 24/12/2012 às 13:18

    Oi Cecílio, parabéns por esse artigo, acabei de lê-lo em voz alta aqui em casa.
    Meu pai, o Joaquim Caxambu, com certeza ficaria encantado com ele!
    Felicidades a você, abraços
    Lavínia

Deixe uma resposta