Incertezas

IncertezasSe jornalistas – e intelectuais, de maneira geral – hão que dar contribuições à comunidade, estas são as das inquietações. E das dúvidas. Certezas, elas são poucas demais para servirem de referencial.

Na vida humana, não há prato feito. Há que se conquistá-lo, de ir-se fazendo-o a pouco e pouco, como numa construção. Uma colherzinha de feijão aqui, outra de arroz, uma porçãozinha de purê, um pedacinho de carne, um bocadinho de couve, pouquinho de torresmo, o ovo frito – eis o prato feito. E saboroso. Como diria o Lula: “quem vai com pressa come cru.” Faltaria acrescentar: “e devagar demais come requentado.”

Uma das grandes dificuldades, no entanto, penso eu, está na constatação de que vivemos um tempo em que as pessoas, ao mesmo tempo, vivem certezas plenas dentro de suas inquietantes incertezas. Há certezas na maneira de agir, no cotidiano, e incerteza quase absoluta quanto ao que virá depois. Há a certeza de que tudo deve ser aproveitado agora e rapidamente, fruto da incerteza do amanhã, do dia seguinte. Alguém já comparou a ansiedade humana de nossos tempos como a de alguém com a sensação permanente de estar perdendo uma festa, sem saber onde ou quando.

Ouvi, de um garoto de 14 anos, a afirmação categórica de que Deus não existe porque não pode ser provado. Ele dizia ser a sua opinião, sem saber, no entanto, explicar o que é e em que se fundamenta uma opinião. São tempos nos quais até mesmo na imprensa há muito mais palpites do que opinião, muito mais falácias do que verdades.

Há certezas que marcaram como que com ferro em brasa o inconsciente coletivo: é preciso levar vantagem em tudo; deve-se desconfiar de tudo e de todos; tudo tem seu preço; ganhar dinheiro é o principal objetivo da vida, mesmo que seja para gastá-lo, depois, tão inutilmente.

E lá vamos nós vivendo de seguranças frágeis e de inseguranças plenas. Por isso, para mim, é a hora do crepúsculo a mais representativa e milenar das angústias humanas. Pois, nessa hora de lusco-fusco, há uma pergunta escondida, implícita, oculta, inconsciente em cada pessoa, como se a tristeza crepuscular trouxesse o medo de uma resposta: “E se o Sol não nascer amanhã?” Ora, o Sol não nasce e não morre, mas a Terra que gira em seu passeio diário, alternando noite e dia, revelando amanheceres esplêndidos e entardeceres sombrios. No entanto, o medo é de o Sol não nascer. Essa falta de certeza nos dá a insegurança psicológica. E, paradoxal e maravilhosamente, traz, consigo, o sentido maior da esperança: “anoitece, mas o Sol irá nascer amanhã.” Da incerteza, pois, pode nascer a esperança.

Sei lá eu, mas, diante de tantas certezas tolas e incertezas de pura inquietação, talvez o melhor acontecesse se começássemos a alimentar dúvidas. Pois são elas, as dúvidas, que nos fazem suspender juízos, num estado de equilíbrio entre a afirmação e a negação. É a partir da dúvida que o conhecimento avança. Mas, aqui entre nós, estou quase acreditando em que o mais conveniente para o ser humano seria a ignorância, o não-saber, o desconhecer. Não sabendo e desconhecendo, o homem inventa. Fazer de conta faz bem. Bom dia.

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