Infestação de prédios

Edifício Itália. Fonte: Wikipedia

Edifício Itália. Fonte: Wikipedia

Exatamente em 1962, o psicólogo Cláudio de Araújo Lima publicou um livro atemorizante, mas revelador. O título: “Amor e capitalismo”. Ele mostrava o grande equívoco a que estávamos sendo levados, os brasileiros, com a aceitação orgulhosa dos prédios verticais, com muitos andares. Na realidade, havia como que uma disputa entre cidades para ter o prédio mais alto, como acontece, ainda hoje, em países exóticos como o Catar, Emirados Árabes, a própria China. Araújo Lima mostrava, claramente, que, no Brasil, a orgulhosa opção era um terrível equívoco.

Quanto ao orgulho, lembro-me de quanto, em Piracicaba, ficamos orgulhosos quando os Irmãos Brasil construíram, na Rua Moraes Barros, o primeiro edifício vertical de Piracicaba. E com elevador. E mais orgulho ainda – desta vez com pruridos ufanistas – tivemos ao ver erguer-se o Edifício Luiz de Queiroz (Comurba), quase imitando o Copan de São Paulo, projetado, lá, por Niemeyer. E, depois, a sensação de culpa, de medo, de algo errado, quando o edifício ruiu e vimos a tragédia.

Araújo Lima mostrava, naquele livro, que edifícios verticais foram uma solução realmente ótima e até mesmo necessária para a ilha de Manhattan, em Nova Iorque. Havia falta de terrenos, de espaços e isso impossibilitava a horizontalidade da ilha. Inventaram-se, então, os edifícios verticais e surgiu, paralelamente, a grande indústria dos elevadores, solução genial. Por falta de espaço para construírem-se casas, criaram-se os apartamentos. E Araújo Lima – em seu livro famoso – mostrou e provou como tais residências causavam impactos emocionais nas famílias. E até mesmo no amor, contido e silenciado por força das paredes gêmeas e da intimidade temerosa.

Apartamentos afastavam, segundo ele, temerariamente as pessoas da terra, do solo, impedindo-as de conviverem com árvores, animais e, de certa maneira, mantendo-as confinadas em espaços limitadíssimos. E o medo de o vizinho ao lado ouvir conversas íntimas? E a necessidade de sussurros quando surgissem momentos de manifestações mais espontâneas? E as crianças, controladas em suas brincadeiras, no barulho agradável para os pais, mas irritante para os vizinhos? O escritor descreveu tudo isso que – embora as mudanças do tempo – continua embutido e sendo parte das moradias verticais. Ou é à toa que o morador de apartamento sonha com ter uma chácara, pequenina que seja, para se sentir livre?

Ora, é tolice advertir quanto ao que já está consolidado. A febre dos edifícios verticais – construídos com a promessa de alta segurança, nem sempre verdadeira – tornou-se realidade que se nem mais discute. E não sou tolo de ser, eu, a fazê-lo. No entanto, há que ser preocupante, em Piracicaba, esse delírio de verticalidade, com prédios e mais prédios, prédios sem conto sendo erguidos sem qualquer lógica a não ser a lógica imobiliária. Destruíram-se sítios, chácaras; derrubaram-se árvores, espantaram-se aves e animaizinhos silvestres; roubaram espaços às crianças; sufocaram-se e sufocam-se  ambientes sem quaisquer discussões inteligentes ou regras e normas civilizadas. Estamos diante da barbárie da verticalidade desnecessária e apenas interesseira. Inexiste a discussão sobre densidade demográfica.

O que há por trás disso? Quais os privilegiados que ganham com a especulação e a infestação imobiliária? Não há motivo algum de orgulho para isso, pois é uma fórmula que degrada a qualidade de vida do povo, que ficará ainda mais enlouquecido a médio e longo prazo. A festa imobiliária traz lucros imediatos para os donos dela. Mas prejuízos desastrosos – por sua falta de racionalidade social – à população. Esses milhares de “minha casa, minha vida” estão destinados a se tornar pesadelos coletivos. Não seria um assunto interessante para a Câmara de Vereadores discutir? Creio  seja mais útil do que  debater títulos honoríficos. Bom dia.

3 comentários

  1. Reinaldo Diniz de Oliveira em 13/11/2013 às 15:33

    Realmente a exploração imobiliária e a ocupação desordenada e gananciosa do solo está propiciando um futuro caótico pior do qual já vivemos. Se estamos carecas de saber que necessitamos de mais áreas verdes, áreas de lazer, etc, porque não prever e fazer cumprir para os novos loteamentos um terreno de tamanho mínimo de 300 m², ruas e calçadas mais largas onde seja previsto espaço para árvores onde no futuro elas não tenham que ser erradicadas por estarem danificando redes elétricas e de saneamento como também ciclovias seguras e tudo o mais que sabemos ser necessário para o convívio urbano saudável.
    Não sou contra a construção vertical, pois ha aqueles que gostam, outros que necessitam residir em apartamentos, mas que estas obras também sejam melhor fiscalizadas, principalmente nos quesitos segurança e qualidade.

  2. Linneu Stipp em 14/11/2013 às 19:38

    Negadinha do A Província.

    Fui Sindico do Prédio onde moro, ajudei muita gente que se atrasava no pagamento das taxas condominiais.

    O nosso Prédio foi construído em 1960, os apartamentos foram vendidos a médicos, dentistas, advogados, banqueiro, com o envelhecimento os apartamentos foram sendo revendidos, hoje os condôminos na sua maioria são pessoas da classe media baixa, geralmente aposentados pelo glorioso, benemérito e honrado INSS…

    Imagino como será pagarmos as taxas, o IPTU do Haddad…

    .

  3. Eloah Margoni em 18/11/2013 às 11:00

    Lúcidas observações Cecílio! O boom é mesmo de assustar. E a domolição de tudo o nosso patrimõnio histórico e arquitetônico, idem. É muito triste. Cidade cheia de ganãncia, irracional e sem memória.

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