Ir embora para Santa Maria. Ou Anhembi.

picture (41)Nunca me esqueci da Pasárgada de Manoel Bandeira, para onde ele queria fugir: “Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei/ Lá tenho a mulher que eu quero/ na cama que escolherei.” Já tive a minha Pasárgada, acabei perdendo-a. E nunca mais soube onde encontrá-la.

Agora, porém, eu quero ir. Voltar a ir, pois tive minha Pasárgada e a perdi. Olho para todos os lados e não vejo saída. Olho para o alto e para baixo, não encontro nada a não ser bombas rasgando os céus. Penso nos grafiteiros que, nos anos 1970, escreviam nos muros e paredes: “Parem o mundo que eu quero descer.” Eu também quero. Agora, eu quero. A besta-fera se soltou novamente e não suportarei voltar a vê-la. Os deuses brigaram entre si e não sei quais estão vencendo, quais os derrotados. Começo a ter medo de ser humano. E vergonha.

Filósofos dizem que aquilo que não se conhece não existe. Não quero, portanto, conhecer. E, então, desligar a televisão, fechar jornais, trancar bibliotecas, quebrar o computador e ir-me embora pra Pasárgada. Lá, onde sou amigo do rei. A Pasárgada que está ao alcance das mãos de cada um de nós, bastando ter a coragem de ir. Adeus, Nova York; adeus, Paris. Eu vou pra Santa Maria, lá do alto da Serra, onde gatos e cães ressonam lado a lado, bocejando ao sol, como se fosse a aurora do mundo. Ou para Anhembi, à beira do rio Tietê. Pois o meu rio está morrendo, morte de civilização, essa impostura de ser.

Santa Maria da Serra, quem conhece? Ainda deve ter ruas de terra, entregador de leite, matagais e florestas ainda intocados. Por suas trilhas, descendo e subindo, o silêncio revelava sons de bichos, de aves, de água escorrendo por pedras. Onde o homem não penetrou o paraíso não se perdeu. Vou-me embora pra Santa Maria, lá sou amigo do rei. Ou para Anhembi, onde o rei me dará a mulher que eu quero na cama que escolherei. Vou-me embora para um desses lugares e viverei o sonho de Bandeira: “montarei em burro bravo/ subirei no pau de sebo/ tomarei banhos de mar!/ E quando estiver cansado/ deito na beira do rio/ mando chamar a mãe d´água/ pra me contar as histórias/ que no tempo de eu menino/ Rosa vinha me contar/ Vou-me embora pra Pasárgada.” Que é que estou fazendo aqui?

Lá em Santa Maria ou Anhembi satélites não lerão meus e-mails, nem ouvirão meus telefonemas, sussurros e gritos de raiva. Preciso desistir de toda essa idiotice, mãe da bomba, mãe do ódio, mãe da morte. Quero andar de estilingue no bolso para espantar urubu, beber água do regato, subir em jabuticabeira, enterrar melancia para refrescá-la, comer pão com ovo, sentir cheiro de hortelã. Que é que estou fazendo aqui?

Mais da metade da humanidade passa fome, arrasta-se e geme e range os dentes, como que acorrentada à miséria definitiva. O mundo clama por falta de comida, contra a morte da natureza. E uns poucos homens conseguem – em aviões, armadas, bombas, esquadras – gastar, torrar bilhões de dólares suficientes para alimentar um mundo faminto. Que é que estou fazendo aqui?

Parem, pois, o mundo. Que eu quero descer. E ir-me embora pra Pasárgada, lá onde sou amigo do rei. Pois a tristeza bateu, a desesperança acena, a escuridão amedronta. Vou-me embora em busca de um luar do sertão. Na Pasárgada, direi como o poeta que a inventou: “E quando eu estiver mais triste/ mas triste de não ter jeito/ quando de noite me der/ vontade de me matar – Lá sou amigo do rei – terei a mulher que eu quero/ na cama que escolherei/ Vou-me embora pra Pasárgada.”

Que é que estou fazendo aqui? Bom dia.

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