Ir sem ficar

Há mais de 15 anos, lembro-me de o engenheiro Luiz Antônio Fagundes ter estado no lugar onde se construía um pequenino condomínio. Minha casa mal tinha sido coberta, um projeto que eu próprio elaborei – com auxílio de arquitetos – para um estilo de vida de recolhimento a que me propusera. O Fagundinho, vendo os espaços preparados para computadores, ferramentas eletrônicas, som ambiente, o jardim então apenas iniciado, me olhou e deu sua sentença: “Você está se antecipando ao que será daqui a dez anos. Trabalhar em casa, a internet, relações profissionais virtuais.”

Aconteceu e acontece para muitos. Haverá de acontecer em quase todas as atividades humanas. E, contrariando quem pensava se tratar de um isolamento ou de uma tendência à misantropia, posso testemunhar que se tornou maior e mais instigante o prazer de sair, de passear, de ver coisas. E de estranhar o que acontece nas ruas. E de, muitas vezes, ter medo como se fosse um outro mundo, que regrediu à barbárie.

Meus filhos continuam insistindo para eu trocar o meu Corça, 2002. E não consigo entender o motivo. Ora, se meu carro rodou, estes anos todos, apenas 78 mil quilômetros, com uma única mudança de pneus, por que devo trocá-lo? Ouço: “Desvaloriza a cada tempo que passa.” Mas e daí? Não sou negociante de automóveis e o meu carro me atende no pouco que preciso. Mostrei a meu filho a minha despesa de combustível. Enchi o tanque no dia 1º de setembro. Terminarei o mês de outubro ainda com um quarto de tanque. E fui, pelo menos uma vez, a Campinas e a Mombuca. Em dois meses, incluindo estradas, rodei menos de 360 km.

É maravilhoso manter contatos pessoais, o amor exige presença física. Mas, nesse mundo novo, há formidáveis ganhos em resolver situações à distância, com recursos da internet. Paga-se e recebe-se, compra-se praticamente tudo e uma das minhas delícias, a de freqüentar sebos, até essa já a realizo digitalmente. Já comprei exemplares preciosos num sebo de Goiânia, num outro em Salvador, em diversos em São Paulo e no Paraná. E não saí de casa.

Homem, nesses tempos, parece estar servindo apenas para empurrar carrinho em supermercado. Até disso, agora, me sinto dispensado. Ir a shoppings e supermercados e feiras, isso se me tornou uma distração. Mas estou aliviado de uma responsabilidade para a qual não tenho um mínimo de vocação: escolher verduras, frutas, legumes. Ora, quem sabe, de verdade, se o abacaxi está bom? Minha mulher me proibiu de comprar batatas, pois escolho sempre as piores. Agora, porém, esse problema também se resolveu. Já faço compras pela internet. A cozinheira ou minha mulher me passam a lista, digito a relação, ponho no carrinho virtual, fecho a compra, pago com cartão e, em dez minutos, está tudo resolvido. Só falta, agora, para um homem solitário, o computador colocar tudo na geladeira ou na despensa, quando eu estiver sem companhia. Mas chegaremos lá.

Sair às ruas, pois, se me tornou uma aventura. E perigosa. Fico assustado com a vulgaridade de multidões de pessoas, com a violência delas, a raiva que trazem nos rostos. E me assusto com a quantidade para mim absurda de automóveis importados, imensos, poderosos, fazendo filas, exibindo-se à multidão que não olha, transportando apenas um passageiro. Qualquer dia, os carrões passarão por cima do meu carrinho. Mas eu sei que já posso fazer boletim de ocorrência pela internet.

Começo a entender: a casa, o reino do homem, seu castelo. A caverna. O resto do mundo é para embelezar, inspirar, alegrar. E dar medo. Como o pai do filho pródigo bíblico, fico à espera de filhos e netos, da minha mulher, para quem, quando chegam, preparo as melhores vestes, mando fazer o mais belo cordeiro e ofereço as mais belas oferendas. E rendo graças e acendo velas. Para quê mais? Bom dia.

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