Jornalismo desnecessário

jornalismoJá se reconheceu ser o jornalismo o que faz “o primeiro rascunho da história”. Na busca incessante da verdade dos fatos, na pesquisa, na investigação, na denúncia, na luta contra os poderosos, o jornalismo, no mundo livre e responsável, foi um dos propulsores na defesa dos direitos humanos, das liberdades, dos injustiçados. Escrevi o verbo no passado – “foi” – pois tenho, hoje, justificáveis dúvidas quanto à essência desse novo jornalismo empresarial e industrial que se impõe ao povo. Na era da informação, a desinformação se transformou em ciência. E o jornalismo é um dos seus principais elementos.

O jornalista nem sempre tem consciência de estar rabiscando “o primeiro rascunho da história” no seu dia-a-dia. E essa é a condição essencial para se fazer o verdadeiro e, então, necessário jornalismo: ter consciência da responsabilidade que deve persegui-lo a cada momento de sua atividade. Se, atualmente, tem havido a “preguiça do pensamento e da reflexão” – ou uma deliberada, sofisticada e científica lavagem cerebral – a função social da imprensa está posta em xeque: ou ela é comparsa e cúmplice das mistificações ou ela assume o seu verdadeiro papel, de “cão de guarda da sociedade”. Se a imprensa não latir – com indignação e não por farsa – ela terá perdido a sua razão de ser.

Uma das principais lições desse jornalismo acanalhado nós a tivemos no filme, de John Ford, “O homem que matou o facínora”. Nele, está a célebre frase – cínica e interesseira – do conselho que o jornalista recebe: “Quando a lenda é maior e mais interessante do que o fato, publique-se a lenda.” Ou seja: a verdade do fato não tem importância. O importante são a espetacularização e os interesses ocultos na divulgação. O uso de eufemismos, de falácias, de meias verdades, a condução da narrativa deixam de ser “rascunho da história” para se transformar em vis folhetins descartáveis. E um jornalismo descartável é jornalismo desnecessário. Mais do que isso: pernicioso, mesmo quando se diz livre para estar em defesa da democracia.

Ora,  o pensador inglês Samuel Johnson já, amargamente, havia dito que  “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. Foi mais um desabafo do que a inteira verdade. No entanto, quase o mesmo pode- se dizer, hoje, da democracia, que vem sendo não o último, mas um dos refúgios dos canalhas. Em nome dela, impõem-se as mais cruéis formas de ditaduras, sutis mas perversas: ditadura do pensamento, do poder econômico, de ideologias materialistas. E poderosos veículos de comunicação estão mancomunados com essa tirania do poder acobertada por um falso conceito de democracia. Tão raras são as exceções, que não têm mais qualquer influência.

Desgraçadamente, essa mentalidade ou esse sistema de farsas têm sido os mestres de uma juventude que, idealisticamente, busca fazer um jornalismo verdadeiro, que é missionário, vocação quase sacerdotal em favor de suas comunidades. Sonhando com a realização de grandes ideais – e a juventude vive deles, como pulmão renovador da sociedade – depara-se, ao sair das universidades, com a cruel realidade de um jornalismo sem compromisso com a sociedade, por ter-se tornado parte importante de todo um sistema de controle do poder. O inesquecível Millôr Fernandes, com sua sabedoria sarcástica, matou a charada com clareza incontestável: “Jornal é oposição ou balcão de secos e molhados”.

Tais considerações eu as faço apenas com o intuito de estimular os jovens jornalistas a irem em busca do verdadeiro jornalismo que se perdeu nas veredas dos descaminhos ou que foi engolido pelo monstro dos interesses econômicos. Que busquem referenciais mais decentes, que acreditem na missão de informar e formar com honestidade, que não temam  se colocar a serviço da população, mesmo que isso lhes custe muito. E custará. Se não tiverem espaço em empresas poderosas e organizadas – e não terão! – que se unam para  o jornalismo que, hoje, se faz necessário como novo e único caminho: o jornalismo comunitário. O exemplo já está sendo experimentado pelas redes sociais eletrônicas.

Atualmente,  estamos submetidos – sendo enganados por arrotos de falsa democracia – a um jornalismo descartável num tempo de valores descartáveis. O descartável é desnecessário. Logo, é um jornalismo desnecessário. Bom dia.

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