Jornalistas, com ou sem diploma

Sinto-me inteiramente à vontade para aplaudir a decisão da Suprema Corte brasileira ao recusar a obrigatoriedade do diploma para o exercício da atividade jornalística. Isso, no entanto, não significa minimizar ou menosprezar a importância do estudo universitário e da disciplina acadêmica na vida das pessoas. Há atividades e profissões, no entanto, que, com ou sem diploma universitário, existem e sobrevivem a partir do talento, da arte e, em especial, da vocação. O jornalismo é uma delas. Como a música, a pintura, a composição artística, o artesanato. Aliás, um dos representantes da Federação dos Jornalistas se sentiu ofendido pelo fato de um dos ministros ter feito comparações com a arte culinária, que não precisa de diplomas. Ora, que honra maior para um jornalista do que ser posto ao nível de um “chef de cuisine”?

Envaideço-me por ter sido, com Gustavo Alvim, um dos idealizadores da Faculdade de Jornalismo da UNIMEP. Foi um esforço para dar espaço mais amplo a talentos que brotavam durante o período militarista e que precisavam ser orientados e formados além das redações, pois os espaços de liberdade tinham-se tornado ínfimos. A proposta fôra, inclusive, de ceder, à universidade, os recursos humanos e técnicos de O DIÁRIO como laboratório para os jovens estudantes. E envaideço-me, também, por ter sido um dos professores daquela faculdade, o que, penso eu, me dá alguma autoridade moral para defender o que sempre defendi: apesar da faculdade, o exercício do jornalismo não necessitava, como não necessita, de diploma. Pois, com ou sem diploma, o jornalista é jornalista. E ninguém se torna jornalista apenas por ter diploma.

Infelizmente, esqueceu-se de ter sido um malicioso e pérfido ato do golpe militar que exigiu a obrigatoriedade do diploma para o jornalista. Foi, à época, a maneira que os militares de plantão encontraram para exercer maior pressão sobre a imprensa. Pois eram poucas, quase inexistentes, as faculdades de jornalismo e, em especial nas cidades do interior, se tornava quase impossível manter a imprensa viva. Recordo-me de que, naquela época, sendo dono, diretor e redator-chefe de jornal, fui legalmente impedido de exercer a atividade por não “ter registro de jornalista”. E, quando quis provar a minha já longa atividade, novo obstáculo surgiu: eu não podia ter o registro porque era dono de jornal… Precisei, então, tornar-me empregado de mim mesmo para satisfazer a lei estúpida e autoritária. Passei, então, a ser jornalista aos olhos da legislação. O que fui antes não valera nada.

Doutra feita, fui processado pelo sindicato de jornalistas – ao qual me filiei posteriormente, sendo aceito apenas depois de não mais “ser dono” de jornal – por ter admitido um professor como revisor do jornal e uma artista no setor de montagem gráfica. Passou a existir um corporativismo insuportável, ao mesmo tempo em que não se provaram os benefícios e ganhos, para a imprensa como um todo, dos diplomas jornalísticos. Pois, na verdade, a desmontagem da educação brasileira, desde a sua base, matou, aos poucos, a alma jornalística. Sem estímulo à leitura, aos debates democráticos, sem estímulo aos talentos e vocações, não há frutos que sobrevivam. A faculdade não cria jornalistas e nem faz jornalismo. Se se tratar de aprofundamentos em teorias de comunicação, as faculdades são absolutamente necessárias. No entanto, jornalismo é, antes de mais nada, vocação, o embate do cotidiano, a jornada, conceito e visão que se fortalecem a partir da própria etmologia latina da palavra: jornal, journal, giornale, journée, giornatta, jornada.

Sei que, para as novas gerações de jornalistas, a afirmação pode parecer apenas romântica ou quixotesca, mas não me importa a visão materialista em contrário: para mim, jornalismo é, ainda, missão, muito acima de uma simples profissão. Por isso, é preciso, mais do que talento, a vocação. Jornalismo é causa. E a causa é sempre a do povo, da comunidade, dos organismos sociais vivos que, nem sempre, têm instrumentos de defesa e de comunicação. A CNBB, em anos amargos da ditadura, ofereceu um lema que bem define, em meu entender, o que seja a missão principal e a responsabilidade mais aguda do jornal e do jornalista: “Ser Voz dos que não têm Voz”.

Vocação não se consegue nas escolas. Apenas o talento não basta para alguém ser jornalista, como ocorre em atividades que exijam profunda consciência humanística. É preciso a vocação. E desta, da vocação, não se foge. Mesmo sem grandes talentos, alguém pode ser notável jornalista, se movido pela própria vocação. Apenas com talento, mas não vocacionado, haverá jornalistas assépticos, acomodados e tão somente profissionais de uma atividade que, sem alma, perderá seu sentido.

Em resumo: foi inútil toda a longa discussão. Com diploma ou sem diploma, o jornalista será sempre jornalista. E bom dia.

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