Jovens e cólera em conserva

picture (12)Há conselhos que, também , servem de advertência. Recebi-os, há algum tempo, de um médico e amigo: “É hora de parar de sentir.” Após ouvi-lo, aumentou-me a ansiedade: “E como se faz para não sentir?” E outras indagações: “O ser humano, sem sentir, é o quê? E se o homem deixar de sentir o outro?”

De meu último final de semana, muitas horas, passei-as ouvindo alguns moços. E sentindo. Não foi bom. Pois não tive respostas às perguntas que me fizeram, não soube falar de expectativas. E nem tive a lhes sugerir caminhos que não fossem os meus próprios, de homem que já consegue rever a trajetória. A moços no início apenas da caminhada, diante de encruzilhadas iniciais – dizer-lhes o quê, além de estimular-lhes esperanças? Mas quais? Em quê?

Ora, entendo, hoje, a importância das encruzilhadas, até mesmo no sentido simbólico. Na vida das pessoas maduras, elas são – ou deveriam ser – lugares ou momentos de reflexão, de pausa para escolhas fundamentais. Diz-se, até, que, diante de encruzilhadas, o homem se vê no centro do mundo. De seu mundo. Dele, nada mais resta senão fazer a passagem, que pode ser definitiva. As dos jovens, embora decisivas, são-lhes, quase sempre, encruzilhadas ainda transitórias. Mas, em nosso tempo, para onde ir? Como ir? São algumas da perguntas que me fizeram os moços.

Não há como deixar de sentir. Não há hora de parar de sentir. O destino é comum. Logo, se a juventude está diante de abismos, é estupidez acreditar os demais estejamos a salvo. Se as gerações jovens perdem o sentido, eixos ou rumos –desnorteiam-se, com elas, as gerações mais velhas. Pois suas encruzilhadas finais são, também, lugares de encontros, não apenas do homem consigo mesmo, mas com o outro. E, portanto, encontro de gerações.

Neste novo século, um outro mundo, a história humana repete-se diante de nova e decisiva encruzilhada. Não se trata mais de discutir a avalancha de novas tecnologias, o ritmo desenfreado da ciência. São conquistas irreversíveis, como se novos Copérnicos e Galileus entrassem, a cada mês, em confronto com velhos Ptolomeus. A novidade de ontem envelhece hoje. Diante da floresta densa, a escolha errada pode levar a caminho sem volta. Os jovens têm essa intuição. E perdem forças.

Diante daqueles moços – ouvindo-os, sentindo – os receios deles me levaram a reflexões que, de tão antigas, pensei estivessem mortas. Pois lembrei-me dos “gigantes da alma”, que minha geração aprendeu com Mira Y Lopez, os quatro: o medo, a ira, o amor, o dever. Nem sei se, daquilo, restou algo ainda atual, se tudo se superou. Mas, nos moços, havia a “cólera em conserva” de que o pensador falara. Do medo, nasce a ira. Da chispa desta, a raiva. E, apenas contida, essa “cólera em conserva” inevitavelmente explodirá em ódio. Os jovens estão com medo. É o estopim.

A uma angustiada indagação de jovens pais, busco refugiar-me num esconderijo mental de mentira: como educar filhos hoje? Para serem justos ou espertos? Para serem pessoas ou máquinas? Não ouso opinar. Mas, na realidade, não tenho qualquer dúvida quanto à dimensão humana. O centro do universo não é a Terra, nem o Sol, nem a economia. É a criatura humana, essa eterna boa nova com sua dignidade insubstituível.

Crer nisso exige forças morais que parecem escondidas em nossos tempos. Sem elas, não há esperança. E desesperança é o outro nome da “cólera em conserva”. Não apenas dos jovens. De todos. Sentir inquieta. Bom dia.

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