Justiça e vingança

Justiça 2O assassínio da menina Isabela – atirada do alto de um prédio, tendo o pai e a madrasta como suspeitos – causou comoção nacional e um clamor coletivo por justiça. O processo se arrasta, os suspeitos estão presos e, agora, inicia-se o rito do julgamento. Ansiosa, a população aguarda pelo que lhe parece a única definição possível: a condenação dos suspeitos. Mas, enquanto a população e a mãe da menininha pedem por justiça, o pai de Alexandre Nardoni, avô da criança, diz que o povo está querendo vingança. Ora, e justiça o que é senão uma forma legal de vingança da sociedade contra os que violam regras, leis, normas, costumes, consensos civilizatórios?

A sociedade quer vingar-se, sim, da mesma maneira como, pedindo justiça e fim da impunidade a políticos malfeitores, queremos nos vingar deles, responsáveis por males sem conto. A civilização são máscaras. E as usamos como forma possível, adequada e necessária para uma convivência razoavelmente pacífica. A lei nivela os homens, não mais a religião, a moral, a tradição, que foram devastadas por ondas bárbaras de interesses econômicos para cuja sobrevivência é necessário transformar a vida em algo amoral. A hipocrisia social é a base sólida de uma convivência possível, pois ninguém pode, diante do coletivo, revelar-se tal como é, fazer o que bem deseja, despejar instintos e desejos. A própria palavra, hipocrisia, nos remete aos gregos, que chamavam de hipócritas os atores que, vestindo máscaras, desempenhavam papéis nos teatros, simulando e dissimulando, fingindo. O hipócrita é um fingidor. A sociedade civilizada é, para sobreviver, necessariamente fingidora.

Muitas vezes, há eufemismos ocultos ou encapados nas palavras. Assim, é mais civilizado falar-se em justiça do que em vingança, como se esta fosse própria apenas dos bárbaros. Não é. As prisões foram criadas não para ressocializar pessoas, mas como locais de reclusão dos elementos prejudiciais à sociedade. Com a prisão, a sociedade se vinga de quem lhe fez mal. Talvez, por isso, tenham-se criado prisões especiais, abrigando políticos e pessoas com títulos universitários, um eufemismo para disfarçar impunidades. Justamente políticos e pessoas com diplomas é que deveriam ser mais severamente punidas, já que não podem alegar ignorância, desconhecimento ou carência social. Os antigos já nos diziam, advertência esquecida: “corruptio optimi péssima” – a corrupção do bom é péssima. Se não punimos os bandidos de colarinho branco, isso é péssimo para a formação do povo, pois referenciais e balizas são destruídas.

No caso da menina Isabela, a pobre mãe que a perdeu e o povo que sofre com ela estamos querendo justiça, sim. E a justiça será a punição dos responsáveis, punição severa, exemplar, merecida, especialmente se se confirmar sejam, eles, o pai e a madrasta da criança. A imagem clássica da Justiça – da mitológica deusa Têmis – não é apenas a figura de olhos vendados, mas, também, com a espada numa das mãos, livro da lei em outra. No pedido de justiça, há um profundo sentimento de vingança, que não é – a não ser por alguma interpretação religiosa – algo ruim. Vingança é desforra, punição, busca de reparação, reabilitação de algo violado, vitória diante do mal. Quando se vinga conforme a lei, o outro nome de vingança é justiça. Que se façam ambas. Bom dia.

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