Lastimável calendário eleitoral
A fragilidade da federação brasileira, em meu entender, revela-se, com toda nudez, a partir de nosso calendário eleitoral. Engessa o Brasil em relação à escolha do Presidente da República, verticalizando-se o processo de cima para baixo. Num só dia, o eleitor terá que escolher o Presidente da República, o Governador de seu estado, os representantes nas duas casas do Congresso Nacional, Senado e Câmara, e na Assembléia Legislativa estadual. Faltaram apenas prefeitos e vereadores.
Poderá haver quem o explique, mas me parece um processo totalmente ilógico, especialmente quando se considera a crescente transferência de responsabilidades para os municípios. Isso deveria significar que, houvesse verticalização, ela deveria dar-se de baixo para cima, com as bases sustentando o ápice federal. No entanto, a onipresença do Executivo Nacional impõe-se de tal forma que quase se anulam outros interesses, como governos de estado e as suas respectivas assembleias. Acaba-se, queiramos ou não, criando uma verdadeira poluição eleitoral, em todos os sentidos, no de candidatos em demasia e em quase todos os níveis, e de uma propaganda dispersa e sem qualquer objetividade.
O processo eleitoral é arbitrário e esconde espertezas para fortalecer esquemas. O eleitor vive no seu município. É o centro de sua vida, o lugar de sua história. É verdade que a política nacional – especialmente no que se refere às políticas econômicas – o atinge diretamente na pressão de cima para baixo. No entanto, em todo o País, os interesses fundamentais do eleitor estão no município. Logo, não é democrático que se deixe à margem, como que secundária, a voz municipal , que se dá a partir de prefeitos e vereadores. Estes, atualmente, são simples cabos eleitores de seus partidos na grande festança eleitoral.
A mudança do calendário deveria, para ser mais lógica e verdadeira, impor casamento de interesses e de objetivos. Assim, teríamos, nos estados, eleições para governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores. E, em outro momento, eleições para escolher o Presidente da República, senadores e deputados federais. Nesse calendário, dar-se-ia para discutir – em todas as dimensões, da municipal à federal – responsabilidades e urgências. E sem essa poluição generalizada que, amplificando a Presidência da República, impede a participação do povo em temas e debates dos quais ele é o principal interessado. No processo atual, o povo é chamado apenas a coonestar o que já foi previamente escolhido.
Como está, tudo gira em torno da eleição do próximo presidente da República. Ninguém consegue focar e focalizar a importância de governadores de estado, de nossos representantes na Assembléia Legislativa, por exemplo. Não se debatem as graves questões estaduais e regionais, tendo o município como ponto de irradiação. Federalizando-se tudo de maneira capenga, finge-se estar transferindo, ao governo federal, responsabilidades que, quase sempre, estão diretamente vinculadas aos governos estaduais e municipais. Uma semana após as eleições, quase nenhum eleitor conseguirá lembrar-se dos candidatos em que votou, exceção, talvez, feita aos votos para Presidente e Governador. Se se vota por votar, num sistema poluído pela abundância de candidatos e engessado pela sucessão presidencial, como se haverá de falar em voto consciente, em participação do povo?
É um calendário lastimável. Adequado, porém, às conveniências daqueles que nunca pretendem mudar nada. Ou para os que – e eles estão aí – inventando mágicas, como a “de mudar sem mexer”. É fantasioso como fazer omeletes sem quebrar ovos…