Lazinho, o maldito

Tortura durante a Ditadura Militar no BrasilNão consigo, até hoje, entender como não desisti. Ou como não enlouqueci. Aqueles que ainda defendem – ou querem que se repita – a ditadura militar e suas conseqüências trágicas ou são estúpidos demais ou coniventes. O jurista Pedro Aleixo – apesar de vice-presidente de Costa e Silva  – dizia: “O perigo da ditadura está no guarda da esquina.” E Piracicaba conheceu essa terrível mediocridade durante todo o ciclo militar, com pequenos ditadores, “guardas da esquina”, que desencadeavam vinganças, perseguições, torturas. Eram apenas “filhotes da ditadura”, mas consideravam-se maiores do que os ditadores.

Por que penso nisso? Por sentir-me deprimido, um filme sórdido que me volta à memória da Piracicaba ao tempo da ditadura. Já escrevi muito sobre isso, não quero atrair as bruxas que andam soltas, procurando retornar. No entanto, fui entrevistado por uma revista nacional que me pedia para narrar algo do que houve de infame, em Piracicaba, durante a ditadura militar. Essa – canso-me de repetir – é uma história sobre a qual jamais gostaria de ter escrito ou de contar.  Mas contei.E  revi coisas, lembrei-me de outras que pareciam mortas e, então, a entrevista chegou ao ponto das torturas. Não, não houve torturas sistemáticas por parte do governo ditatorial em nossa terra. Mas houve um inferno de horrores, uma violência demoníaca, atentados inacreditáveis à dignidade humana, tendo como palco os porões da Polícia piracicabana. E o chefe e comandante da horda sanguinária tinha um nome: o investigador Lazinho, o maldito. Se inferno existe, ele estará – se já morto – ardendo em carne viva. Se, ainda vivo, sua alma – se ele tiver alma – estará incessantemente cutucada por demônios. Assim seja.

O que Lazinho – acompanhado de Fininho, Galo e mais outros – fizeram em Piracicaba é mancha perpétua. E o meu velho e sofrido O DIÁRIO se tornou um centro de resistência – posso dizê-lo, hoje – heróico. Com meus valentes companheiros, denunciamos a corrupção, a violência, enfrentamos o maldito Lazinho que se tornara discípulo completo – ou até mais brutal – do que o outro maldito, Sérgio Paranhos Fleury. Penso, agora, não ter sido coragem nossa, mas loucura. Uma santa loucura.

Não tendo mais a quem apelar, a quem pedir socorro, as vítimas acorriam à redação de O DIÁRIO buscando guarida. Acolhemo-las. E tomávamos seus depoimentos e autorização para divulgá-los. O padre José Maria de Almeida era um de nossos redatores e foi a ele, principalmente, que pedi para colher os depoimentos. Zé Maria ouvia, datilograva e – de quando em quando – saía da sala para chorar ou para dar vazão ao horror que o indignava. Tivemos que abrigar – nas precárias instalações daquele jornal – prostitutas que fugiam à perseguição do maldito Lazinho e sua gangue. Algumas almas generosas passaram a nos ajudar, levando-lhes comida, agasalhos, enquanto o inesquecível advogado Marcos de Toledo Piza lutava por elas junto à Justiça. Esta, porém, era outra vítima da ditadura. A  Igreja Católica – tendo D.Aníger Melilo à frente – colocou-se a nosso lado, dando-nos forças espirituais. Políticos, como sempre, acovardaram-se.  Foram quase três anos – de 1972 a 1975 – de torturas e de denúncias, de crueldades e de indignação. Mas vencemos Lazinho. Suas vitimas, porém, talvez nunca se recuperaram.

Deprimido, revi esses documentos, a quase centena de declarações, detalhes da crueldade e da violência. Deprimido, mal consigo acreditar que tenha acontecido. Mas aconteceu. Por isso, tomei uma decisão, especialmente diante da indiferença, do comodismo, do egoísmo desta sociedade contemporânea mediocrizada. A PROVÍNCIA – para que o universo virtual conheça o que uma ditadura pode trazer até as nossas casas – irá publicar aqueles depoimentos. Será a nossa contribuição quando, neste 2014, completam-se 50 anos do golpe militar. E 40 anos do inferno que o maldito Lazinho trouxe a esta terra. Mesmo deprimido, bom dia.

4 comentários

  1. LUÍS ANTONIO RÉ em 26/02/2014 às 08:55

    bom dia! mesmo deprimido, não pare, publique os depoimentos, vai ajudar aqueles “menos” conhecedores. abraços.

    • Paulo de Mattos Skromov em 02/03/2014 às 17:53

      Sim, teve torturas e torturadores em Piracicaba e região. Sou piracicabano e passei pelo famigerado DOI-CODI, em outubro de 1973, ou seja fui preso e torturado em São Paulo, capital. Mas pelo que sei o ex-prefeito José Machado, quando bancário teria sido preso e torturado aí mesmo. Antes disso, meu tio – Lázaro Sampaio Mattos, maquinista da Cia. Paulista de Estrada de Ferro e militante sindical e do PCB foi preso com outros companheiros ferroviários logo após o golpe militar de 1964. Ele próprio já fôra preso pelo DOPS em algumas greves antes de 1964. Lembro-me ainda do relato que o carcereiro Pedro Cromo me fez sobre um jovem que fôra preso por agitação revolucionária, em 1970, entre cortadores de cana em Santa Barbara do Oeste e que, segundo ele foi muito maltratado pelos agentes do DOPS que o vieram buscar amando do famigerado delegado Sérgio Paranhos Fleury.

  2. Bruno de Aquino em 26/02/2014 às 10:18

    Importante iniciativa, sobretudo num tempo marcado pelo revisionismo dos anos de chumbo! São coisas que Piracicaba jamais deveria esquecer.

  3. Carlos Áureo de Arruda Campos em 27/02/2014 às 10:18

    Quase nunca ou nunca são ouvidas ou publicadas as agonias dessas vítimas desses sofrimentos. Mofam nos arquivos. Vamos então escutá-las e refletir para que não se repitam tais atos que queriam reproduzir as atrocidades nazi-fascistas-stalinistas e hoje em dia as torturas em Guantanamo. Esse seu berro, hoje em dia com as redes sociais, assim como o domasco por ser redondo, assim como diz o provérvio árabe, pode rolar pelo mundo.

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