Lendas por lendas

picture.aspxAlgum dia, haveremos, talvez, de nos convencer de que a vida, por mais singular seja cada pessoa, nos empurra para a mesma vala comum. Mudam-se contextos, mas o ser humano, quando passa pela História, se repete. A mais cruel de todas as guerras foi a Primeira Grande Guerra logo nos meados da segunda década do século XX. Quando a bomba atômica explodiu sobre os japoneses – na crueldade sobre a qual o mundo criminosamente silencia – falou-se em horror, esquecendo-se dos horrores anteriores. Fala-se, ainda hoje, na loucura homicida de Hitler, mas nos esquecemos de Stalin e de Átila, como silenciamos diante da crueldade de Bush no Iraque. É um mundo que continua enlouquecido, como se a sina do ser humano – ainda que se vanglorie de sua inteligência – fosse a loucura.

Quando o cientista descobre que, na natureza, nada se cria, pois tudo se transforma – lá estava ele descrevendo o ser humano através dos tempos. Descobriu-se o que existia em estado adormecido, nada se criou, tudo se foi transformando, a bomba atômica estava apenas escondida nas funduras da natureza, o mistério descoberto da mesma forma, talvez, que se revelou, anteriormente, para Eva e Adão. Um dia – por que não? – quando se acabarem os tempos desses séculos enlouquecidos, alguém contará a lenda de que houve um Paraíso, mas perdido ao se descobrir a moderna árvores do bem e do mal, surgida num jardim da Casa Branca. A tentação foi irresistível e alguém – como o nome Bush, como poderia ter-se chamado Lúcifer ou Hitler – apertou outro botão. E o tempo desapareceu.

Ultimamente, a cada sair de meu recolhimento, encontro amigos com indagações que não se esgotaram, quase que as mesmas de nossa juventude, buscando acreditar em coisas que parecem ter deixado de existir ou, então, reencontrando-as. Há, no ar, algo místico difícil de ser ignorado. Crenças ou superstições, credos ou credulidades, não importa. Há. Buscam-se símbolos, significados, signos. Por tolos pareçam, todos eles existem. Estão vivos e presentes em cada fé, em cada crença, até mesmo nos que se envaidecem, enganando-se a si mesmos, de em nada acreditar, tolinhos insistindo em ateísmos infantis. Um amigo me falava de rosa-cruzes, do misticismo de jovens alemães no Século XV, de segredos que permaneceram e que retornaram. E de alquimia e de alquimistas, de um mundo medieval envolto em brumas e mistérios e, portanto, em temores.

O fato é que, dissertando sobre rosa-cruzes, meu amigo falou de rosas e de cruzes. Lembrei-me de que Hitler roubou a imagem da cruz suástica aos antigos, mostrando – em oposição à cruz da esperança cristã – uma milenar imagem reveladora de forças negativas. Mas o que me lembrei mesmo foi da rosa, mais da rosa do que da cruz. Mistério por mistério, segredo por segredo, misticismo por misticismo, pensei na rosa que era branca, toda branca e imaculada, quando Afrodite correu para socorrer Adônis. Ferindo os pés nos espinhos, Afrodite viu o sangue escorrer-lhe e tingir de vermelho as rosas do caminho. O que era branco imaculado se tornou o vermelho da paixão. Até hoje, mesmo sem saber de Afrodite, o mundo acredita na rosa vermelha como símbolo da paixão.

São lendas. Como lenda é acreditarmos em economistas oficiais. A sabedoria, hoje, deve estar em descobrir que nada criamos, que tudo transformamos e que, por isso mesmo, acreditar em rosas de Afrodite é, pelo menos, mais cheio de encantos do que acreditar no realismo mentiroso de alguns homens públicos. Lendas por lendas, fiquemos com as que encantam. Bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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