Liberdade e civilização

pictureInsiste-se – como falácia lastimável – em se dizer de liberdade como bem absoluto. Não é. Por isso mesmo, a liberdade da imprensa – como a de qualquer cidadão e mesmo das instituições – também não é absoluta. A simples existência de leis demarca essa liberdade. É-se livre diante da lei, conforme a lei. Por isso, toda e qualquer discussão em torno da liberdade constitucional da imprensa acaba marcada pelo passionalismo e, acima de tudo, pela hipocrisia.

A questão é mais séria. Desde Platão, sabe-se que – sem regras , na ausência de condições e na recusa a obrigações – liberdade produz o seu equivalente: anarquia. Esse utópico ou tolo senso de liberdade absoluta é apenas falacioso. A civilização impõe regras. Jornalistas e jornais apenas existem em contextos democráticos. E, neles, a liberdade não existe apartada da responsabilidade. Jornalismo livre e responsável: um direito com deveres.

Dois episódios – ainda insisto neles – podem ilustrar, parece-me, outro aspecto dessa vivência da liberdade no coração da imprensa. Num deles, os atores foram Assis Chateaubriand – dono de um império de comunicação, os “Diário Associados” – e o jornalista David Nasser. Este – polêmico e brilhante – pretendia liberdade plena para escrever. Chatô não discutiu com o seu mais talentoso jornalista. Foi sucinto: “Então, seja dono de seu próprio jornal.”

O outro episódio – a meu ver ainda mais elucidativo – envolveu Júlio de Mesquita Filho, poderoso proprietário e editorialista do “Estadão”, democrata figadal, defensor ardoroso do liberalismo econômico. Às vésperas do golpe militar de 1964, foi o entrevistado de um polêmico e famoso programa de debates da TV Tupi , o “Pinga Fogo”. Pressionando-o, os debatedores questionaram-no: se tão contra o comunismo era, por quê permitia, na redação de “O Estado”, tantos profissionais comunistas? A resposta foi simples, mas definidora: “Eles são os melhores. Mas, no meu jornal, não escrevem como partidários comunistas e, sim, seguindo a orientação que lhes dou.”

Jornais têm proprietários e, em última instância, são eles que definem a linha editorial, quase sempre assessorados por conselhos editoriais. Editores e jornalistas têm o dever da objetividade diante da notícia, do fato ocorrido e uma larga margem para o exercício de expressar opinião e pensamento. Um jornal democrático acolhe colaboradores, cronistas, críticos, leitores, com opiniões até mesmo contrárias à do jornal. No entanto, a linha, o comportamento, a opinião editorial são definições da empresa. Os juízes são os leitores, os que avalizam a credibilidade de um jornal. Ou que o abandonam.

Toda vez que retorna tal discussão deveríamos tê-la como oportuna, para, também, refletir a respeito da natureza dos veículos de comunicação, os eletrônicos, os impressos, o surgimento alvissareiro mas ainda caótico da internet. O que vale para meios impressos nem sempre vale para rádios e televisão, veículos massivos que – é preciso lembrar sempre – são concessões do Estado. Portanto, do povo. Ora, em sendo concessão, supõem-se regras que obriguem os concessionários. Quais são, as do Estado brasileiro, para o lixo moral de programas em canais concedidos pelo povo?

O problema é antigo: o poder tem medo da inteligência, da opinião. Bom dia.

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