Lição do Paraguai

Bandeira-ParaguaiRecusei-me – por decisão própria – a fazer qualquer comentário a respeito da morte de Nelson Mandela. Mesmo sabendo-se que “jornalista é especialista em generalidades” – e, portanto, opinando sobre quase tudo – há momentos em que nada há a comentar. O silêncio se torna, então, a voz mais eloqüente. Lamentar a morte de Mandela é lamentar a morte do melhor que a humanidade produziu nas últimas décadas. Que valha, pois, apenas um agradecimento. Pelo exemplo de vida. Pela dignidade de homem público. Pelo testemunho de que o negro generoso coloca de joelhos o branco cruel.

Assuntos há e muitos. A revelação da ONU de que, no mundo, a corrupção consome 1 trilhão de dólares; no Brasil, são 50 bilhões, o que daria para construir 50.000 escolas e um milhão de casas populares. Ainda bem que Piracicaba não tem nada a ver com isso, uma cidade que – pela quietude dos meios de comunicação – não sabe o que seja corrupção, nenhum caso. Piracicaba, felizmente, é uma cidade de excelsas virtudes. Corrupção, o que é isso mesmo? Propinas, superfaturamentos, comissões, especulações imobiliárias – nada disso, graças aos céus, acontece entre nós. Amém.

Portanto, há corrupção no Brasil, segundo a ONU. E essa revelação inédita não nos alcança, aqui em nossa boa terra. No entanto – como ela, inacreditavelmente, existe no Brasil – seria bom começarmos a olhar com mais atenção as reações cada vez mais ardentes de nossos “hermanos” paraguaios. Há décadas, fala-se que o Paraguai é o paraíso da corrupção na América Latina. Ditadores, presidentes de fachada, presidentes eleitos, parlamentares, empresários, o próprio povo – nada escapava das observações de nós, brasileiros, brava gente brasileira.

E, agora, lá nos vem a grata, a formidável surpresa: os paraguaios saturaram-se de tanta sujeira, da corrosiva malandragem política e, finalmente, reagem. E de uma das melhores formas possíveis: vaiando os seus políticos, não importa quem seja, menos importa ainda onde estejam. Os paraguaios descobriram que são as instituições que permitem a corrupção e, em assim sendo, não mais adianta falar em exceções. Pois, na América Latina, exceções de honradez e de decência no universo político são consideradas tolices de gente idealista. Ora, não é o próprio povo que – sabendo de roubalheira de políticos – costuma falar: “Eu, no lugar dele, faria o mesmo.”?

O poder da vaia é inavaliável. A vaia representa a inconformação, o descaso e o pouco caso, , o desrespeito, a desestima, o desacato, a desfeita da platéia em relação ao mau ator. E do povo diante de seus políticos incompetentes e oportunistas. A vaia alquebra o vaiado. Mesmo quando não tem vergonha, ele se recolhe, pois a vaia produz medo. Os romanos já sabiam disso e vaiavam gladiadores, representantes do povo, governantes. Era a maneira de zombar, de rir da farsa: “ridendo dicere verum”, rindo, dizer a verdade. Com o surgimento do Arlequim, surgiu o “ridendo castigat mores”, punir os costumes com o riso, a gargalha, o deboche.

Imaginemos um político – não de Piracicaba, das excelsas virtudes – de qualquer parte do Brasil saindo à rua e sendo vaiado; entrando num restaurante e recebendo vaias; não podendo aparecer na janela, que seria vaiado. Paraguaios estão fazendo isso. Pode ser-nos – por que não? – um belo presente de fim de ano. E bom dia.

1 comentário

  1. Delza Frare Chamma em 19/01/2014 às 17:59

    Cecílio, amei a ironia. Que os paraguaios mostrem que o Paraguai pode e vai se juntar aos governos da nossa América Latina que buscam sua independência e soberania.

Deixe uma resposta