Livro erótico e censura

CensuraAlguns setores do Brasil parecem obsedados e obcecados com a questão delirante da censura no país. Isso significa estarem, ao mesmo tempo, incomodados e cegos. Talvez, estejamos, sem o perceber, sofrendo de alguma síndrome da ditadura, mesmo aqueles que não a conheceram. Ou, por outro lado, algo ainda mais perigoso: a criação de fantasmas para não se poder ver claramente a realidade. Ou o que ela oculta. Pois muitos do que dizem temer a censura ou estarem em defesa da democracia têm, na realidade, defendido, em nome da liberdade, a mais ampla e irrestrita licenciosidade no país. Uma democracia sem leis e regulamentos se transforma em baderna. E isso começa a ocorrer de maneira cada vez mais clara na indústria do entretenimento e da cultura de massa, esta que nada mais é, na verdade, do que a industrialização do espírito.

Agora, a estupidez atingiu um tribunal de justiça e a secretaria estadual de educação, a partir de livro de contos onde se viram impropriedades para alunos adolescentes, a que chamaram de contos eróticos e pornográficos. Quais os critérios para definir o que seja isso? E quais os critérios para a aquisição de livros? O que é cultura e o que é educação? O ensino formal educa ou apenas ensina? Mais ainda: no rompimento de todas as barreiras morais e espirituais, com o perigoso território livre da internet e com uma televisão sem regras, como falar-se em proteção aos jovens e crianças do bombardeio de informações, desinformações, deformações?

A escola é apenas complemento da família. Se está um caos, não se trata de política ou filosofia educacionais deste ou daquele governo, mas da situação caótica da célula familiar no mundo todo. Quando a base sofre rupturas, todo o resto é abalado. E nunca, como nestes tempos de explosões e bombardeios contínuos em valores e princípios, o papel da família tanto se impôs, ao mesmo tempo que se revelam fragilidades preocupantes. Ora, há indícios claros de que o povo, por si mesmo, está se voltando a antigos valores que foram soterrados, ainda que muitos deles não mais tenham sentido. No entanto, num mundo e num tempo sem referenciais, ainda é o passado a referência mais concreta. E isso pode ser observado na última pesquisa feita no Brasil a respeito da respeitabilidade das instituições na opinião do povo. Enquanto o Congresso Nacional e os partidos políticos estão em queda livre, desmoralizados, aumentou em muito a credibilidade de duas instituições que já foram estigmatizadas: as Forças Armadas e a Igreja. Ou seja: o povo quer estabilidade, segurança e ainda se apega ao sagrado.

O Brasil – e apenas tolos ou ressentidos podem negá-lo – ingressou num momento virtuoso de sua história, superando obstáculos centenários que nos mantinham presos ao complexo de vira-latas. Hoje, respeitado no mundo e tendo a confiança e a esperança da maioria da população, o Brasil caminha para ser uma nação privilegiada e com um destino a cumprir. Mas não haverá destino e nem caminho, não haverá história digna e nem desenvolvimento honrado se não construirmos esse novo Brasil com as virtudes de nossa gente e de nossa história, não mais com mazelas, preconceitos, traumas e vícios.

Que não mais se fale em censura e que nem mais se faça uso da palavra como fantasma a atormentar inteligências lúcidas. Mas, também, que tenhamos a decência, como povo, de estabelecer regras de convivência, de civilidade, regras de direito que impeçam o vale tudo moral que, começando em alguns meios de comunicação, se espalham também por novelas, por filmes, por programas de comediantes pouco qualificados, nos quais se solapam as mínimas noções de decência e de pudor. Veja-se que nem sequer citei a questão moral, a ordem ética, pois o problema e a grande questão se resumem, penso eu, na civilidade perdida, no respeito atropelado. Para usar a linguagem futebolística: a bola da vez voltou a estar com a família. A escola pediu água. Quando o povo elege Forças Armadas e Igreja como instituições mais confiáveis, o recado está mais do que dado, com as duas faces da mesma moeda: a de boa expectativa, a de perigo à vista. Bom dia.

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