Loucos e perigosos

É verdade que de poeta, médico e louco, todos temos um pouco. Sempre foi assim, a ponto de loucura e genialidade, muitas vezes, terem sido quase sinônimas. Gênios loucos deixaram obras imortais para a humanidade, homens e mulheres muitos dos quais terminaram seus dias em hospícios ou pelo suicídio. Há obras monumentais dissertando sobre a loucura humana, condição que permitiu loucos fossem marginalizados da sociedade ou tidos até como santos, figuras íntimas do divino.

Loucos há, pois, de todos os tipos e para todos os gostos. Houve época em que os chamados loucos mansos despertavam afetividades especiais, tratados com carinho e ternura. E, para os violentos, o destino eram os hospícios, sanatórios, prisões, confinamentos. Há alguns anos, fecharam-se muitos estabelecimentos onde se recolhiam as vítimas das mais diversas formas de loucura. E, por isso, se tornou mais difícil saber se, nas ruas, estamos diante de loucos eventuais, de loucos sem retorno, de loucuras episódicas, de loucuras definitivas. E, pior ainda, estamos presenciando surtos cada vez mais freqüentes de loucura coletiva.

Falar que a humanidade enlouqueceu passou a ser lugar comum. Talvez, ainda não, de todo. Mas está em processo acelerado de enlouquecimento, destruída pela opção por valores insustentáveis, por um estilo de vida que a nada conduz a não ser à frustração, ao estresse agudo, à desesperança. Dificilmente, encontram-se pessoas que não tenham alguma forma de distúrbio psicológico, tal a pressão social e econômica a que estamos todos sumetidos. Engrenagens de uma máquina que se alimenta de braços e de cérebros, tornamo-nos, também, peças substituíveis como qualquer parafuso que deixe de funcionar. O ser humano passou a valer por sua serventia, pela utilidade, pela produção. Por isso, não haverá, dentro de algum tempo, de se estranhar se todos os improdutivos ancião, crianças, enfermos – passarem a ser tratados como problemas exigindo soluções extremas. No sistema de produção, o que não serve é para ser jogado fora.

A loucura dos tempos está se manifestando cada vez mais ameaçadoramente. Está no trânsito, onde alguém saca da arma e atira no outro apenas por irritação. Está até num livraria, como aconteceu na Livraria Cultura – um templo de saber – quando um louco tirou o bastão de beisebol e, sem qualquer motivo, estourou a cabeça de um desconhecido. Está naquele casal, pai e mãe, que atirou a filha pela janela, matando-a. Um louco perigoso invadiu a sala cirúrgica de um hospital, interrompendo uma cirurgia, para roubar. A loucura está em pessoas que, em nome de magia negra, torturam crianças com agulhas, como ocorreu na Bahia e no Maranhão. Está dentro das casas, na violência de pais contra filhos, contra a mulher, violência da pedofilia, da disseminação do sexo virtual que corrompe adolescentes. A loucura está, também, na insensibilidade e indiferença do povo que, a pouco e pouco, renuncia a seus deveres e direitos de cidadania, premiando com cargos políticos uma corja de bandidos que envenenam a alma da nação.

Os tempos são de loucos perigosos. À solta. Há uma quase pandemia de loucura e esta não se propaga por vírus ou bactérias, mas pelo colapso universal de um mínimo de estrutura moral. Hoje, falar em moral é assumir o risco de ser vaiado, talvez até apedrejado ou processado por desrespeitar algum pretenso direito de minorias. Mas o problema é moral. Até a questão ambiental é de ordem moral. Pois houvesse essa ordem, haveria o respeito a leis, à natureza, às instituições e, portanto, ao outro. Bom dia.

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