Mães loucas

picture (32)Outro garoto, no esplendor sua adolescência, morreu nessa guerra suja do Oriente Médio, onde árabes e judeus, irmãos de sangue, insistem em repetir horrores ancestrais. O garoto morreu em nome de Alá, acreditando em “guerra santa”. E a mãe dele rendeu graças, orgulhosa de, em sua família, haver um mártir. Entristeci e fui ajudar o jardineiro a preparar a terra, o parto da Primavera já anunciada. Não sei explicar, mas sou levado por uma consciência estranha: é preciso preservar o pouco que resta. Enlouquecemos.

Não foi o menino guerrilheiro que me espantou. Pois meninos como que nascem brigando. Perguntava-me: “Por que meninos não fogem mais de casa?” Nunca imaginei, porém, houvesse mães rendendo graças pela morte de filhos, mártires de causas idiotas.

Antigamente, fugia-se para namorar, para fazer serestas, fugia-se com o circo, com a bailarina ou com o palhaço. E eu mesmo me recordo que – por uma seresta, o violão embaixo do braço – fugi, jurando nunca mais retornar. Voltei. Meu pai quebrou-me o violão na cabeça. Sem violão, não fugi mais. Fujo agora. Mas dos horrores.

Ora, acredito, ainda, nos sonhos humanos de eternidade. E penso em como eram pequenos os mundos de minha geração, pois os meninos pulavam a janela, saltavam muros, iam-se embora, bastando-nos esse pouco para nos sentirmos heróis. Nem era preciso ir longe. Bastava um aviso: “Vou-me embora desta casa e não volto nunca mais.” Os pais davam de ombros, fingindo indiferença: “Então, arrume sua mala e vá embora já. Mas não demore muito para voltar.” Os meninos iam-se. E voltavam.

Nunca mais pude esquecer-me do perturbado Holden Caulfield, o garoto de “O Apanhador no Campo de Centeio” Em Caulfield, o escritor J.P.Salinger conseguiu retratar o adolescente universal, entre tímido e ousado, cruel e generoso, caótico. Mais de cinqüenta anos depois, o livro permanece atual. Consigo, então, ver, em jovens aprendizes de guerrilheiros, Caulfields eternos, indo sem querer ir, ficando sem querer ficar. Mas repugna-me a morte de meninos morrendo em guerras. E repugnam-me mães que se orgulham disso.

Ao longo da década de 1950, o sonho da juventude foi o de transgredir, caminhar, romper, atravessar barreiras. Como um relâmpago, James Dean surgiu e desapareceu. A brevidade de sua vida foi-lhe imortalizada na morte. Os moços passaram a ser rebeldes com causa ou sem causa alguma. A estrada era o caminho. A geração “beat”, antecedendo os “hippies”, enlouqueceu pais e famílias com drogas, conversas inúteis, entendendo-se apenas pela linguagem do jazz. Jack Kerouac, parecia indicar o caminho da vida: “on the road”, o pé na estrada. Ninguém mais era fujão, pois todos pareciam ter fugido.

Penso em minha geração, a paixão por Fidel Castro, Che Guevara, Camilo Cinfuegos, moços barbudos que nos incendiaram a alma. Depois de Sierra Maestra, estar na revolução era ser herói, santo e mártir. E o sonho de “pé na estrada” morava em Havana, nos canaviais de Cuba. Ouvi de meu pai: “Com tanto canavial em Piracicaba, por que você não corta cana por aqui mesmo?” Mas não teria graça: sem Guevara, para quê?

Antigamente, havia meninos fujões, sonhadores, mas com pais sábios. Hoje, há mães loucas e meninos mortos. Fico agoniado. Não cortei cana e, muitas vezes e ao longo da vida, mandaram-me plantar batatas. Descasquei abacaxis. Agora, meu tempo é de, apenas, plantar flores. Bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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