Magos na beira do rio

picture (95)Hoje, é dia dos chamados “Reis Magos”, data rica de significados. Os povos comemoram-no com alvíssaras, à rememoração das honrarias com ouro, incenso e mirra àquele que seria “o salvador”. São todas belas, as mais diversas versões do evento.

Foram profetizadas a visita à manjedoura e as oferendas. Com o tempo, entendeu-se que os magos representaram, ao mesmo tempo, a adoração de três continentes e das três idades: o infante, o homem, o ancião. E os presentes carregavam-se de simbologia: o ouro, sapiência de um rei; a mirra, a força purificadora; o incenso, oferenda e oração. E seriam, também, a representação do sofrimento, da ressurreição e da glória do recém-nascido.

O cotidiano das pessoas retorna exatamente neste dia, após festas, descansos, encontros e desencontros. Dei-me conta de que, quanto a mim, não parei, nem descansei. O corpo pedia, a cabeça recusou-se. Que se há de fazer? Foram 12 dias de ser ou não ser, apenas isso.

Na crença popular, o Dia dos Reis encerra os 12 dias e noites ásperos que, a partir do Natal, preparam a transição. É o período que rompe a ordem antiga e conjura demônios para oráculos determinarem o ano entrante. Os meus 12 dias de prostração devem ter sido os da fuga dos meus demônios. Tomara.

Em Dia de Reis, penso na Rua do Porto, nosso espaço histórico ainda confuso e como que amedrontador para as autoridades. Acho que a Rua do Porto mete medo em pessoas sem história. E, por não terem sua própria história, essas pessoas não entendem do sagrado. Ora, profanação de lugares sagrados provoca vinganças. Aquelas, as da Rua do Porto, são margens sagradas. Nelas e naquela orla, começou a nossa história. Lá se plantaram a igreja, a casa, o povoado; sepultaram-se cristãos e índios. É o solo sagrado originário.

Tenho a dizer de outras coisas. Incluo-me entre os felizes primeiros freqüentadores da “Arapuca” dos Pecorari que, neste 2009, completará 45 anos de funcionamento. Mas a sua história e o local remontam ao final do século XIX, desde a vendinha de Afonso Pecorari, o lugar de passagem, a estalagem, a pensão. Portanto, a vocação para acolher o visitante.

A Rua do Porto era risonha e franca. Quando se encerrava a edição de “O Diário”, telefonávamos ao saudoso Paulo Pecorari para “fazer cuscuz”, nossa ceia de cada madrugada. De tanto divulgarmos a delícia, ficou conhecido como “cuscuz do Cecílio”, “cuscuz da turma do Diário”. A receita é de 1900, herança das negras velhas que faziam concurso para se escolher o mais saboroso cuscuz. É o sagrado também da comida.

Amo a Rua do Porto. E quem ama sofre. Lá estão, ainda, as chaminés da olaria de minha família, da fábrica de telhas e tijolos. Na Arapuca, no Garcia, no Tanaka, no Tangará, as belezas aconteceram. Penso, entre tantos, em Baldão Zardetto de Toledo, Romeu e René Gerdes, Dr.Galaor, Dr.Bernardo, Hélio Krahenbuhll, Luiz Thomazzi, Antônio Orlando Ometto, dr.Luiz Cunha, o inefável Carcaça, ouvindo canções, serestas. E poetas, poetando. E pintores, pintando. E políticos confabulando.

Convivi, pois, com aquelas belezas. De oportunismos, não entendo. Os sinais, porém, estão aí. Reis Magos, na crença popular, são personagens amadas que chegam de longe para abençoar. Como que em delírios, vejo três cavalheiros desconhecidos fazendo-se, hoje, de magos e indo abençoar com oferendas a Rua do Porto. Sem ouro, incenso e mirra. Mas com água benta, sal grosso e ramos de arruda, o que já basta. Para mim, eles são os fundadores de O Diário que, hoje, vivo estivesse, estaria aniversariando também. Não tenho saudade daquele jornal. Mas a alma dói pela Rua do Porto. Bom dia.

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