Mais do que fome de pão

picture (82)O sucesso dos tablóides sensacionalistas ingleses tem uma longa história. Desde o início do século passado, usam a receita que Lord Northcliffe – um dos barões da imprensa britânica e fundador do “Daily Mail” – indicava a seus discípulos: “Atender o gosto das massas.” Para o barão, as multidões deliciam-se com quatro grandes temas: crime, amor, dinheiro e comida. As novelas também sabem disso. E pensam entender, explorando-o, esse “gosto das massas”.

Se há muito de verdade no que ensinou o lorde inglês, é preciso lembrar que as “massas” são muito mais usadas do que respeitadas. E um povo não é massa. Crimes, nações inteiras repudiam-nos, negando-se a conviver com eles mesmo sabendo existirem. Há povos inteiros, ainda que primitivos, sem moeda. Quanto ao amor, ele existe com ou sem procriação, com ou sem exercício de vida sexual. Apenas da comida povos e nações não podem prescindir. Nem a pessoa humana. Assim, a seguir o barão, jornais e revistas, tablóides sensacionalistas arrecadariam fortunas voltando-se à comida. Da qual ninguém escapa.

Jornais, porém, não são restaurantes. Nem simples empresas. Exercem uma função social imprescindível às nações democráticas e aos povos civilizados. Do alto de sua integridade intelectual e profissional, o jornalista Ruy Mesquita relembrou essa dignidade missionária da imprensa, sua responsabilidade social, sem se esquecer de que são empresas que precisam sobreviver. Mas não a qualquer custo ou a qualquer preço.

Ruy Mesquita – invocando o testemunho de seus ancestrais, “barões” da imprensa brasileira – enfatizou uma das razões do sucesso do mais do que centenário “Estadão”: a redação e negócios estão separados. O inesquecível Júlio Mesquita Filho manteve o jornalismo altivo; o irmão, Francisco Mesquita, dirigiu a empresa nas áreas comercial e administrativa. Não houve promiscuidade. Cresceram. Sobrevivem, com a força radical que anima os poucos jornais centenários: a credibilidade.

Portanto, até mesmo o “gosto das massas” – alinhavado pelo lorde inglês – precisaria ser revisto. O que seria “alimentar as massas”, qual a “comida” que os jornais haveriam de lhes dar? As bienais do livro continuam emitindo resposta, dando sinais que não podem ser ignorados. Como se o povo dissesse, alto e bom som, que “nem só de pão vive o homem” , mas de cultura e de arte, esse pão do espírito formador de civilizações. Jornalistas, temos que entender o aviso: o povo quer cultura, o povo quer arte. Quer beleza. Enquanto programas de tevê mostram sangue e violência, multidões lotam as bienais do livro e é a indústria livreira uma das mais prósperas do país, justamente o país que, dizem, é avesso à leitura. Multidões querendo “comida”, com “fome”: a de ler, de saber, de conhecer, de entender – fome do espírito.

“Crime, dinheiro, amor e comida” – segundo o lorde inglês – para “atender o gosto das massas.” Não seria, hoje, de espiritualidade o novo gosto das massas? Mais do que a do lorde inglês, vale-nos a lição de Ruy Mesquita: a responsabilidade social da imprensa é tanta que influi no destino das comunidades, que rompe tiranias, que consolida liberdades. Na Bienal do Livro, o povo alerta: tem mais do que simples fome de pão. Bom dia.

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