Maquilando cidades

picture (94)Fiz esse mesmo comentário há cerca de quatro anos, lembrando-me de Luciano Guidotti. Sua esperteza era simples e infalível: quando sua popularidade entrava em maré baixa, ele mandava pintar guias de sarjetas da cidade, postes, fazendo a maquilagem da Noiva da Colina. Luciano tinha a intuição do belo, ainda que suas origens fossem rústicas. E aí está a grande e fantástica lição que, com toda certeza, administradores públicos deveriam levar em conta: o belo é atributo da natureza divina. E, por isso, acompanha o ser humano independentemente de cultura, de estudos, de letras. Pode-se burilar o que já existe. Mas existe antes.

As tribos primitivas nem sequer usavam roupas, homens e mulheres andavam nus, mas enfeitavam-se com pingentes nas orelhas, com pinturas no corpo, com objetos nos lábios. O atual “piercing” – que moços aplicam nos corpos lembrando bárbaros do passado – é herança dessa visão primitiva do belo. Que existe no homem desde a idade da pedra, na pré-história. Os arqueólogos, ainda agora, deslumbram-se com o que encontram de arte primitiva inscrita em cavernas, em pedras. O belo acompanha o homem.

Isso vale para as cidades. Tem que valer. E o administrador público que não estiver atento a essa magia que o belo desperta nas pessoas – individual ou coletivamente – não contará com a aprovação de sua gente, por mais realizações faça em outros setores. Foi a respeito disso que me queixei do Prefeito José Machado que realizou arrojadas obras de infra-estrutura em Piracicaba, em canalização, água e esgoto. No entanto, sua administração se vai tornoucada vez mais vulnerável a críticas, pois obras e realizações não foram vistas. Ora, “o que os olhos não vêem o coração não sente.” Ou, para o bem e para o mal, “longe dos olhos, longe do coração”…

Dirão, os pragmáticos ou mal-humorados, que apenas os demagogos fazem obras para serem vistas. E que o administrador nunca é reconhecido por realizações feitas sob a terra, de infra-estrutura. Essa não é toda a verdade, embora seja parte dela em nível eleitoral. Luciano Guidotti soube, com maestria, unir as duas situações: ao mesmo tempo que fazia grandes obras sob a terra, maquilava a cidade, embelezava-a. Eram outros os tempos? Sim. Mas, também, com problemas e carências mais graves e maiores.

As cidades são como as pessoas, o somatório de todos nós com nossos sentimentos, emoções, desejos, expectativas, problemas. Dificuldades financeiras não são motivo para que pessoas – ou cidades – estejam feias, sujas, mal apresentáveis. Lembro-me de minha família, de minha mãe: o almoço era, algumas vezes, uma tigela com um pouco de arroz e mortadela. Mas a mesa – velha, de madeira – sempre estava enfeitada com uma toalha colorida – às vezes rota, mas limpa – um vasinho com flores apanhadas no quintal. Parecia-nos, então, participar de um banquete.

Praças e jardins enfeitados, ruas limpas, trânsito civilizado, calçadas cuidadas, buracos tapados – isso é a cidade, aquilo que se vê dela, por onde as pessoas passeiam, onde vivem. É como alguém que se banha e usa a roupa limpa, lavando a que sujou ou costurando a que rasgou. Maquilar a cidade, cuidar de sua beleza simples e natural, isso custa o quê, senão o mesmo que uma dona de casa para cuidar de seu jardim? Sujeira lava-se, também, com água e sabão.

Por falta de um maquiador – ou do prazer diante do belo – as obras de vulto de José Machado continuarão enterradas. Beleza, como dizia Vinicius, é fundamental. Pode haver belo sem conteúdo, mas será belo. Isso aconteceu, de forma inversa, em Piracicaba, nos últimos quatro anos. Embelezou-se a cidade. Mas não se lhe cuidou da alma. Bela e vazia como moça do mundo do espetáculo. Bom dia.

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