Marina e a Madre Superiora
A história pessoal de Marina Silva é um extraordinário testemunho de perseverança, de fé, de lutas e vitórias contra toda sorte de adversidades. Marina – como aconteceu com Lula – é prova viva de ser possível, pela tenacidade, sair da miséria e galgar degraus da dignidade humana. A pobre e doente seringueira – analfabeta até os 16 anos – perseverou, acreditou, foi em busca de um ideal, tornou-se senadora e candidata á presidência da República, ganhando respeito e despertando admiração. Pela segunda vez – e após a tragédia que levou Eduardo Campos – está em vias de, novamente, candidatar-se à curul presidencial.
Na política, Marina Silva tem sido uma ideóloga do poder, uma visionária (no bom e verdadeiro sentido da palavra) e com projetos idealísticos que se aproximam do utópico. Isso é fascinante e tem o dom de seduzir e atrair admiradores e simpatizantes que repelem a amarga realidade da política. Isso é admirável, como sonho, como idealização, como abstracionismo. Mas o Poder – em torno e em busca do qual se realiza a política – assenta-se em outros e cruéis fundamentos, exigindo lutas sem fim, confrontos, negociações, acordos nem sempre fundamentados na moral cotidiana. A moral política é outra. É, conforme ensinou Weber, a do resultado, por mais frio e decepcionante isso pareça. E, para obter o resultado, a ética da consciência é, amargamente, inteiramente secundária.
Marina Silva traz para a política a ética da consciência, como uma profetisa que anuncia mundos melhores, a exemplo de uma vida eterna, em outro universo. Marina faz-se dogmática, missionária, mulher que valoriza muito mais os bens idealísticos do que o nosso pobre mundo real. Marina desconhece a “realpolitik”, essa ação diplomática ou política que se baseia em considerações práticas, pragmáticas, em total detrimento de noções ideológicas. A realpolitik é que rege as relações políticas nacionais e internacionais, mesmo contra a vontade dos espiritualistas. Trata-se de um realismo político que – infeliz mas objetivamente – cria relações de poder que ignoram toda pretensão de fundamentação moral.
Nesse horrendo mas prático mundo da política, espiritualistas, religiosos, filósofos, idealistas são necessários como vozes de oposição, de advertência, de protestos. Nunca, porém, para governar, para administrar. Marina Silva é um dos mais sólidos pilares dessa oposição ao caos, à corrupção, às negociatas e negociações nesse universo mundial da política. No entanto, se chegasse ao governo – e como administradora de um país – seu caminho será apenas alternativo: ou cede e entra no jogo político, ou será destruída em pouquíssimo tempo. Política não se faz com fé.
Passada a perplexidade pela morte de Eduardo Campos, mil análises começam a ser feitas, especialmente em relação ao quadro eleitoral. Estamos esquecendo-nos, no entanto, da sábia advertência de Magalhães Pinto – o banqueiro mineiro, governador, senador – que lembrava ser, a política, como “a nuvem que muda de forma a toda hora.” Ora, a emoção pela tragédia não pode bloquear o raciocínio lúcido, por mais desconfortável isso seja. E a razão obriga-nos a considerara que Eduardo Campos – sendo um líder em Pernambuco, amado e respeitado – não tinha renome nacional. Era, para a grande maioria da população, um desconhecido, uma novidade. Com Marina Silva, Campos quis garantir um outro nível de popularidade. Agora, se for mesmo candidata, Marina voltará a ser a mesma, conquistando, talvez, parte de um eleitorado de Eduardo Campos. Mas o que isso significa? E a quê poderá conduzir?
Admitamos – por hipótese – que, em sendo candidata, Marina se eleja. Ela terá que decidir: ser fiel a si mesma, a seus princípios; ou tornar-se um ser político prático, pragmático, que coloque a ideologia em segundo plano em favor da realpolitik. Se continuar sendo Marina, naufragará até mesmo antes de tomar posse. Se deixar de ser Marina – e fará acordos com todos os partidos, até mesmo com Maluf se for necessário – ela deixará de ter qualquer importância.
Na realidade, Marina Silva deveria ser porta-voz permanente da oposição, num cargo legislativo, comandando um grupo ideológico e até mesmo religioso. Em política, se espiritualidade, doçura, santidade tivessem importância, cada partido teria, como candidata potencial, a Madre Superiora. Mas não é assim. E Marina age e pensa como Madre Superiora. A pomba será devorada pelos falcões. Bom dia.
No caso de uma eventual vitória de Marina Silva, como seria seu governo? A coligação “Unidos pelo Brasil” tem hoje 31 deputados federais. Imaginemos que na mais otimista das hipóteses este número seja triplicado. Não chegaria a 20% dos 512 Deputados. Aí, em nome da tal “governabilidade”, seriam necessárias alianças. Com quem e a que custo? PTB? PP? PR? DEM? ruralistas? deputados comprados com um novo “mensalão”? Portanto, fica claro que o maior problema da nossa política, ao contrário do que muitos pensam, não está apenas em quem vai ocupar a cadeira de Presidente da República. O buraco é mais embaixo, e bem maior…
Marina é um Edir Macedo recatado de saias, não tem nada de Madre Superiora que é coisa de católicos. Cecílio está muito criativo e bonachão no texto.