Maurício

AlegriaAdmito deva ser  algum bloqueio psicológico meu, mas o fato é que não consigo ler obituários. Sempre foi assim. Amigos meus se espantavam quando, comentando sobre falecidos, eu me admirava do ocorrido: “Mas como não sabe? Saiu na coluna de falecimentos do seu próprio jornal!”

Prefiro acreditar seja minha inconformação com a morte. O maravilhamento diante da vida é tal que resisto à finitude, mesmo sabendo da inevitabilidade do passageiro, do fugaz. O belo nos dá o desejo da eternidade. Se não for assim, que assim seja.

Certa vez, propus a meus colegas diretores de jornal – Losso Netto e Sebastião Ferraz – que deixássemos de publicar notas policiais. Éramos, então, três jornais: Jornal, Diário e Folha de Piracicaba. Acreditei que, fazendo-o, ajudaríamos a diminuir a violência. Foi um furo n’água. Não suportamos sequer uma semana. Leitores ficaram furiosos e exigiram o retorno do noticiário policial. O sadismo coletivo é muito maior do que podemos supor.

Por que não mais há informações de nascimentos, prevalecendo as de mortes? Antigamente, havia a coluna para os bebês que nasciam. Por curiosidade, procurei, no antigo Diário de Piracicaba, se haviam noticiado minha vida ao mundo, em 1940. E lá estava: “nasceu Cecílio, um robusto pimpolho”. Pimpolho? Mesmo assim, exultei, ainda mais com a certeza de que não irei ler a nota de meu próprio falecimento. Aliás, se eu morrer. Pois reluto em fazê-lo.

Divago por conta da morte de Maurício Cardoso, amigo, brilhante jornalista, advogado, homem das belas causas, fonte de alegria. Somente vim a saber uma semana depois. Assim, foi outro de quem não me despedi. E minha amizade com o Maurício foi mais do que cinqüentenária. Nunca ninguém tanto me levou a risadas, a gargalhadas como Maurício Cardoso. Quando ele chegava, iluminava os ambientes, seu sorriso como que pendurado permanentemente no rosto.

E não há dizer tenha-lhe, a vida, sido apenas um mar de rosas. Maurício e Jurema, a mulher que o acompanhou na longa jornada, conheceram momentos amargos, difíceis, tragédias intensas como a morte do filho Renan. E, depois, a longa enfermidade de Maurício, amigo querido. Mesmo assim, ele nunca deixou – dominado por um espírito fraterno, maçônico e cristão – de estar atento aos que, dele, precisavam. Maurício Cardoso era incapaz de entristecer-se. Ou – como bom ator teatral que também foi – sabia fingir magistralmente. Guardava a dor para a si mesmo.

Com a morte de Maurício, algo estranho me acontece. E se assemelha muito ao que ainda sinto com a ausência de minha mãe. Lembro-me cotidianamente dela. Mas sem tristeza. Lembro-me e rio-me, como ela estivesse contando uma nova piada, fazendo outra de suas estripulias. Há uma saudade risonha. E com Maurício Cardoso acontece-me o mesmo. Rio ao  lembrar-me dele. Alegro-me à recordação dele. Não há tristeza, mas sensações de leveza.

De uma coisa tenho certeza: Maurício irá revolucionar os céus. A bagunça já está acontecendo. E engasgo de rir ao imaginar que aqueles santos neurastênicos, sisudos, tristes – como São Pedro, acho eu – já devem estar gargalhando, felizes, com as irresistíveis conversas de Maurício Cardoso. Os céus se alegram. E nós, mesmo perdendo-o, continuamos contagiados por sua alegria. Até qualquer hora, velho amigo. Bom dia.

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