Menoridade e vida sexual

picture (9)Há alguns anos, emocionei-me ao ver o menino, no supermercado, ajeitando em sacolas as compras dos fregueses. Ele era nada mais do que um garoto, 13 anos de idade. E contou-me que estudava pela manhã, almoçava em casa, ia ao supermercado trabalhar. O pai, desempregado; a mãe, cuidando dos filhos ainda mais novos do que ele. E que a fome chegara à família.

Voltei a pensar na lei que protege crianças e adolescentes. Ora, não seria um dano menor, à criança e à sociedade, um garoto de 13 anos ajeitar sacolas de supermercados do que perambular pelas ruas, muitos cheirando cola, outros já iniciados no exercício da malandragem ou explorados por bandidos profissionais? A lei existe, mas não construímos uma sociedade e um país suficientemente sérios para transformar a doutrina salutar em prática eficiente. Na prática, a teoria de nossos filósofos de plantão continua sendo outra. Legislamos com os olhos na Suécia. E estamos no Brasil.

Recordo-me de, compungido, ter passado a mão pelos cabelos do menino, como um gesto de bênção, pois abençoar filhos, netos, crianças, velhos é o recurso final de quem não pode fazer nada. Diante da impotência, deixamos “nas mãos de Deus”. Que Deus, pois, protegesse aquela criança. E, talvez, já estivesse protegendo-a, apesar da lei: ensacando a compra dos fregueses do supermercado, aquele menino estava, pelo menos, ausente das ruas, distante das drogas, longe da criminalidade que, suicidamente, continuamos tolerando.

Os da minha geração, aos 10 anos, éramos engraxates, vendíamos amendoins às portas dos cinemas, catávamos garrafas e íamos vendê-las no armazém de Jorge Maluf. Não me esqueço de meu orgulho quando, com 10 anos, o Alarico Coury, nosso primo, me “contratou” para ser “atendente” de seu consultório médico, quase à frente de nossa casa. Foi-me tamanha a vaidade infantil, o “sentir-me homem”, que até pensei em ser médico como ele.

O aprendizado da vida vinha desde a infância, a primeira infância. Com 12 anos, professores meus estimularam-me – sabendo da pobreza em que vivíamos – a fazer acompanhamento de aulas para primos, amigos meus. E os pais sabiam que, a partir dos 13 anos, o menino precisava ser iniciado, “tornar-se homem”, um ritual de passagem arquetípico, que nos chega do fundo milenar da raça humana. ” Se meninos judeus celebram seu “bar mitsvá” aos 13 anos, quando são considerados adultos responsáveis para a maioria dos fins religiosos, minha geração de meninos católicos era levada a outro ritual, mais pagão. Era preciso, a partir dos 13 anos, “conhecer mulher”. E, como deusas do amor, elas estavam não nas ruas, mas recolhidas como que em templos onde os garotos tinham a iniciação sexual.

Enquanto tentava refletir, à época, a respeito do menino do supermercado, vi e ouvi, na televisão, outra lição da doída sabedoria de nossa gente nordestina. Um escritor e contador de “causos”, Melo Bastos, participava de um debate sobre a maioridade penal no Brasil. Todos discutiam, chocados com casos de garotos estuprando, violentando, matando. Quem o faz deve ser tratado como adulto ou como criança? Melo Bastos, com mansidão na voz, clareou a discussão, falando de uma certeza milenar ainda viva nos agrestes e sertões:“Menino que faz menino é homem.” Na verdade, foi sempre assim.

A maioridade legal deveria ser definida pelo exercício da vida sexual de adolescentes. Se eles, à solta, se sentem responsáveis por sua sexualidade, devem ser responsabilizados por tudo o mais. É milenar o entendimento: “Menino que faz menino é homem. Menina que gera criança é mulher.” E bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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