Mestre é senhor

picture (31)Há alguns anos, beirando, então, os 60 anos, ingressei na Faculdade de Filosofia. Foram tempos bons. Aprendi muita coisa. Descobri outras. Assustei-me com mais algumas. Entristeci-me com banalizações que, no entanto, nada mais eram do que sinais dos tempos, desses tempos de transição, confusos, indefinidos.

Éramos um grupo pequeno, menos de vinte alunos. Na primeira noite de aula, um jovem professor entrou na classe e eu – sem pensar, sem refletir, agindo por instinto ou por ato reflexo e condicionado – levantei-me de minha carteira, pus-me em pé para recebê-lo. Alguns jovens riram-se de mim. E não entendi que eles, alunos como eu, permanecessem sentados quando entrara na sala o professor. Era o mestre que chegava e, portanto, teria que ser honrado por seus alunos, futuros discípulos. Apenas eu fiquei de pé, em pé. E apenas eu, um homem envelhecendo, dirigi-me – àquele e a outros professores – com o tratamento de “senhor, senhores”. Pois o mestre é senhor.

Acho que – naquela faculdade de minha velhice – entendi melhor a desordem dos tempos, nas nossas história e geografia. Quando se vulgarizam valores, quando se dessacralizam pessoas, cargos, funções, responsabilidades – não há como evitar o caos, nem como deixar de cair no vazio. No momento em que as sociedade aceitam e permitem que se apequenem e que se vulgarizem seus mestres e professores, seus juízes e magistrados, seus sábios e santos, templos e escolas e lares – não há mais para onde ir. Nem onde ficar. Sem mestres e professores, não há alunos e discípulos. Sem juízes e magistrados, não há justiça em quê se acreditar. Sem sábios e santos, os povos desintegram-se na superficialidade do descartável, do momentâneo.

Pertenço a uma geração privilegiada. Isso me leva a ter culpas. Nós soubemos o que é escola, foi-nos dada a educação refinada e persistente, tivemos mestres e professores que viveram esse sacerdócio com sacrifícios pessoais. E, hoje, vendo mestres e professores que tentam viver o mesmo sacerdócio – mas desrespeitados, desvalorizados, a dignidade do magistério atingida – não consigo deixar de ver-me também culpado, pois é culpa coletiva. Um país é como uma pessoa: pode perder tudo, menos a dignidade. E, na educação, está a dignidade de uma nação, sua concepção de mundo e de vida, encontro e guarda de valores comuns.

Penso nisso nesse diante de tantas mudanças sem sentido e da glorificação do superficial em prejuízo do essencial. As fortunas gastas com jogadores de futebol, com atores e atrizes de cinema e de televisão, os salários de deputados e de vereadores por esses nossos brasis, ao lado da indigência salarial de mestres e professores, como não nos repugnarmos diante de tal desajuste? Quando vejo a loucura ou a irresponsabilidade desse jogador Adriano, jogando no lixo a própria vida e desprezando a sorte que o tirou das favelas, penso nas contradições.

E penso num homem especial, que chega à velhice com a dignidade intocada, com a grandeza moral dos grandes mestres. Pelos olhos desse homem, vi o mundo; por suas mãos, caminhei; por seu coração, senti as mais profundas e delicadas palpitações da vida; por sua alma, acolhi a beleza de viver; por seu caráter, entendi a dignidade humana.

Da minha infância à juventude – e de milhares de jovens piracicabanos – ele foi integralmente mestre, integralmente professor, educador pleno. Esse homem – ensinando, corrigindo, revisando, retomando o início das coisas quando parecíamos estar perdendo rumos – mostrou porque mestre e magistrado têm a mesma dimensão até mesmo a partir das raízes. Pois mestre e magistrado são homens especiais que assumem a majestade das coisas, da vida, o magistério delas. Onde houver magistério há majestade. Onde houver majestade há o mestre. São homens que professam algo além da superfície, professores, profetas. Um professor é um mestre. O mestre é professor.

Penso em Benedicto Antônio Cotrim, meu eterno professor e mestre. A ele, ainda outra vez, meu carinho e gratidão, neste meu tempo de render graças e de reflexões. Bom dia.

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