Milagreiros e desemprego

picture (56)Até recentemente, dizia-se haver uma receita infalível para o que se chamava “vencer na vida”: o trabalho. Não se falava em milagres. Hoje, já nem sequer se pensa em “vencer na vida”, mas, apenas, em sobreviver. E vencedores são os que sobrevivem. Logo, viver é sobreviver. E isso se tornou milagre. Pessoas oram, vão a templos por terem sobrevivido. E para alcançar o milagre maior e mais almejado: um emprego. Ficou nas mãos de Deus. E de pastores.

Basta passar diante de templos que abrigam seitas. Estão lotados a qualquer hora do dia, à noite. Há até cultos especiais para que os céus criem empregos. E nem se espera que Deus seja justo. Para sobreviver, vale tudo. Por isso, quem lutou no mínimo vinte anos para ter diploma universitário acaba aceitando sobras. Que, nos templos, Deus lhes atenda as preces e faça milagres: um emprego de gari para o engenheiro; de faxineira, para a doutora; de ambulante, para o professor.

Qualquer coisa serve, desde que com a intermediação de pastores e religiosos. Que, não contentes com a prece dos desempregados, os ameaçam com o fogo dos infernos se não derem o dízimo para Deus… E os templos crescem, aumentam, proliferam. Quanto mais fecham indústrias e casas comerciais, mais abrem-se casas de seitas. Mas elas – ao contrário da indústria, comércio e serviços – não se sujeitam a qualquer Procon, nem mesmo moral. Deus devolve o dinheiro do milagre não realizado? Essas dúvidas me assaltam sempre, chato que sou. Pois o cheiro é de charlatanismo, na promiscuidade absurda entre sagrado e profano, sincero e desonesto. No mesmo saco, estão templos, seitas, tarô, búzios, até a alectriomancia, que é – vejam só – a adivinhação da vontade divina pelos movimentos de um galo comendo milho…

Não adianta fingir: o povo, muitas vezes, vota à espera de milagres. Não apenas aqui, quando aconteceu com Lula e o PT, mas, também, nos Estados Unidos, onde Barack Obama encarna um espírito messiânico que, embora ele mesmo o recuse, já lhe foi imposto pela esperança do povo. Ora, é inútil falar que, em política, milagres não existem. Milagre tem que ser compreendido como aquilo que maravilha, que deslumbra justamente por não ser compreendido. Ninguém votou em Lula por ele ser o mais competente, o mais capaz. Mas por uma sinceridade messiânica, o nosso anunciador de promessas. Na vida, o milagre pode ser simples, nas maravilhas de uma estética de Deus no cotidiano. Ou, então, espetacular, rompendo a ordem das coisas, escapando à razão e levando a crer que Deus e o divino apenas podem estar no extraordinário. Nesse sentido, o milagre vincula-se ao interesse de quem o procura: o doente, o faminto, o desesperado. Só Deus resolve.

. A candidatura de Lula escapou à razão num país desesperado. Ele foi visto como um milagre do cotidiano – o operário chegando à presidência – e o enviado da providência divina. Durante a campanha, ninguém desmentiu isso. E quase o mesmo acontece com Obama, o negro que chega à presidência de um país secularmente preconceituoso. Os adversários deles são outros messias e feiticeiros falando em nome de Deus por aí.

Há – em tais “religiões da prosperidade” – promessas de milagres que soam criminosas e infames. Ou não seria infame um adulto roubando um doce da boca de criancinha? Homens e mulheres desempregados fragilizam-se como crianças, humilhados, a dignidade pessoal atingida. Vender-lhes milagres é o mesmo que traficante oferecer drogas a desesperados. Em que diferem vendedores de milagres e de drogas?

A fé se tornou questão de alternativa final. E emprego, uma questão de fé. Os povos perderão essa fé interesseira se seus líderes não lhes entregar o que venderam: a esperança. Bom dia.

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