Monocórdio necessário

Confesso surpreender-me agradavelmente com a alternância da responsabilidade jornalística. Pois, em primeiro lugar, ainda acredito no jornalismo como uma responsabilidade social e missionária de quem o exerce. Queiramos ou não, seja castigo ou bênção, o jornalismo somente será verdadeiro e necessário se revestido de sua responsabilidade por assim sacerdotal. De sacerdócio, como do médico, do enfermeiro, do professor, do padre, da freira, entre outras atividades.

Desde o início de minha atividade e também quando professor, insisti no que me parece a essência do jornalismo: não se trata de uma profissão pura e simples, mas de uma vocação. E, em sendo vocação, é chamamento. E, como chamamento, nada mais resta senão se perguntar para o quê se é chamado. Aí está, então, a surpresa sempre renovada para quem vive essa vocação por décadas sem fim: em cada época, o chamamento traz a sua singularidade. Na ditadura, o jornalista foi chamado a lutar pela liberdade; na liberdade, o chamamento é para a responsabilidade e o amadurecimento das instituições. E, então, o como, o porquê, o quando, o onde. Como e o quê fazer, quando e onde?

Há um sentido profético nisso, que escolas e universidades não ensinam. A vocação tem voz própria. E ela é interior, fala de dentro para fora. O profetismo jornalístico não significa adivinhação, o clamor de quem anuncia a tragédia ou a boa vinda. Trata-se de um enxergar e sentir antes os indícios, os sinais, como se um início de febre dissesse de alguma transformação no organismo. Se não houver a consciência da vocação, do sacerdócio e do profetismo, não haverá jornalismo. E ser jornalista será apenas um meio de sobreviver, da mesma forma que empresas jornalísticas – sem essa profunda consciência de responsabilidade social – não passarão de empresas com finalidades lucrativas.

Há poucos dias, numa agradável conversa com o vereador Capitão Gomes, o advogado Antônio Messias Galdino e André, assessor, tive oportunidade de, quando já se me aproxima o Inverno, manifestar o que, qual passarinho, sinto no ar. Pois jornalistas são como as aves que avisam. Os áugures antigos, para revelar o que os deuses queriam dizer, subiam ao alto das montanhas, olhavam as aves, o vôo delas, repetiam o que elas avisavam. Aves avisam e, portanto, trazem avisos. Jornalistas têm o dever que tentar captar o que as aves dos tempos avisam. E, no meu caso, confesso sentir o aviso da necessidade urgente de uma retomada, de passos atrás, de recuos estratégicos e necessários. A violência se tornou uma loucura coletiva e mundial, que alcança o cotidiano de cada pessoa: no lar, nas ruas, nas relações pessoais, nas comunidades. A educação formal, na condição de ensino e de conhecimento, não irá resolver isso, não tem respostas. E a resposta está na civilidade, na retomada da revolução pelo comportamento, o redespertar para as boas maneiras, para as relações cordiais.

Por isso, corro e assumo o risco de me tornar jornalista monocórdico, como aquele que toca um samba de uma nota só, enfadonho e monótono. Tentarei, no entanto, fazer variações nessa única nota, pois sinto e sei, dentro de mim, que a saída está na retomada de princípios ancestrais, da cordialidade perdida, da solidariedade esquecida. As novas e formidáveis armas não são mais os mísseis intercontinentais, os cinturões balísticos. As formidáveis e novas armas são a reconquista do belo e do bom, o culto ao estético e ao generoso.

A missão do jornalista, hoje – pelo menos a que entendo para mim, neste final de jornada – é tentar, na contramão, mostrar que a vida é mais ampla, mais dadivosa, mais esplêndida do que esse caos a que a reduzimos. Até aqui, estamos sendo instigados a viver a vida, a ter um estilo de vida conforme os intérpretes dela, que criam suas regras apenas de ordem econômica e de produção. No entanto, a única compreensão verdadeira de vida se dá pela iluminação da sensibilidade do ser humano.As coisas belas aspergem as suas próprias bênçãos e, por isso, não precisam de intérpretes. Bastam ser vividas, reconhecidas e transformadas num bem comum, um dom para todos. As cidades somente têm sentido se forem um lugar realmente de viver, de amar, de constituir família, de comungar os mesmos valores fundamentais. Cidades fragmentadas são pequenos sítios isolados por muros. Não são cidades, mas postos de abastecimento e de trabalho.

Enfim, só me resta recolher forças para tentar fazer, no jornalismo, um tema apaixonante com uma nota só. Monocórdico mas necessário. Bom dia.

Deixe uma resposta