Mudar e continuar igual

Há filmes que precisam ser vistos várias vezes, tal a qualidade artística ou a carga de emoções. Outros, não. Mas, vendo-os repetidas vezes, o desagradável é já conhecer o final. Perde-se a surpresa, acompanha-se a trama “a priori”, conhecem-se heróis, mocinhos, bandidos. E o epílogo, sempre igual, torna-se angustiante. Pode haver mudança de cenários, atores, diretores – mas, sendo igual o enredo, o final não muda.

Começo a preocupar-me com o governo de Barack Obama, ainda que seja cedo demais para qualquer avaliação sobre o futuro do mundo a partir dele. Ora, o que acontece nos Estados Unidos repercute no mundo. E aqui em Piracicaba que, apesar de desordens sociais, ainda faz parte do mundo. Seria tola qualquer avaliação a respeito das decisões de Obama. No entanto, os sinais são preocupantes, primeiras sensações de engano, agravados por esse inesperado e perigoso Prêmio Nobel da Paz. É como se, na bilheteria do cinema, se tivesse comprado ingresso para o filme errado. Foi-se para ver a grande aventura e, na tela, as primeiras cenas são de filme já visto, conhecido, repetido. Se enganado, o espectador teria direito de ir ao Procon para reclamar de propaganda enganosa ou de malandragem da bilheteria. Em eleições, porém, não há o direito de pedir devolução do voto. Até na compra de cafeteira há garantias: “sua satisfação garantida ou o seu dinheiro devolvido.” O voto não se recupera. Nem a esperança, quando perdida.

É muito cedo, portanto, para avaliar. Mas surgem preocupações, vindas até mesmo contra a vontade de quem já as vai tendo. Como uma gripe, que aparece com sintomas leves e, dia a dia, se agrava. Assim, se é tolice julgar antes e prever, tolice também é ficar apenas confiando e acreditando sem refletir, sem avaliar. Tudo emite sinais. O tempo, a vida, os acontecimentos. Saber percebê-los é dever dos seres vivos, até mesmo como instinto de sobrevivência. Tentar interpretá-los, porém, é privilégio apenas dos humanos. Se o rastro é de elefante, se a pata é de elefante, se o rabo e as orelhas são de elefante, se tromba é de elefante, será tolice pensar se esteja diante de um coelho. Ora, se todos os sinais são de mesmice, não há porque acreditar seja, o novo, diferente do antigo.

Intelectuais – sempre eles – costumam lembrar “O Leopardo”, do aristocrata italiano Lampadusa, para, diante da indefinição das posições de Obama, ironizar: “mudar aparentemente para continuar como está.” No entanto, os franceses já nos davam lição dessa sabedoria: “Plus ça change, plus c´est la même chose” – o brasileiríssimo “quanto mais mexe mais cheira mal”, aquele “quanto mais muda, mais tudo é a mesma coisa”. Parece estar acontecendo. E de forma suave, “de paz e amor”, muito cordial e serena, ainda que permita a lembrança bíblica do “vinho novo em barris velhos”. Ou de “vinho velho em barris novos”. Pelo andar da carruagem, “c´est lá même chose”. E tomara estejamos absolutamente equivocados, tomara.

Jornalistas são comparados a Cassandra, a musa desgraçada que, com o dom da profecia, recebeu também o castigo: via, denunciava, mostrava, mas não convencia ninguém. Ela anunciava perigos e tragédias, ninguém a levava a sério. É, também, a sina jornalística, essa de, qual Cassandra, aborrecer o mundo feliz com intuições ruins e ninguém acreditar. Cassandra foi uma chata. E continua sendo. Mas enxergar nos sinais é preciso, que se há de fazer? Bom dia.

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