Natal sem emoção

Esse texto foi publicado em julho de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

Esse foi o mais diferente de todos os Natais da minha vida. Absolutamente sem qualquer emoção. Um calendário que se cumpre. E, por estranho que pareça, um Natal muito feliz. Talvez as coisas devam ser assim mesmo: as imprevistas e imprevisíveis é que dão sabor à vida, as programadas são apenas um programa.

Natal acaba sendo um programa que, em vez de satisfazer as pessoas, as têm angustiado. Vejo por aí, com quem encontro, com quem fala de Natal. Não encontro um único sequer que dissesse de sua alegria de Natal. E isso parece provar que houve um esvaziamento religioso nesse programa que se inspirou em razões puramente religiosas.

Ora, se houvesse realmente uma consciência religiosa de Natal – o nascimento de Jesus Cristo, o Deus humanizado – seria, então, para todos estarmos felizes. No entanto, há tristezas e insatisfações, saudades, angústias. Logo, não é o nascimento de Jesus que se comemora, nem há qualquer consciência religiosa em tudo isso.

É um calendário. Com o Carnaval aconteceu o mesmo: de festa religiosa que foi, transformou-se na mais universal das festas pagãs. E tenho até mesmo um certo receio de dizer o que estou sentindo, mas devo correr o risco: o Natal está como se transformando numa espécie de velório, um velório do ano, velório de calendário.

Pois, passado o Natal, o povo explode de alegria e descontração, como se tivesse enterrado angústias, tristezas e compromissos. Vem o réveillon, vêm as férias, vem o tempo de preparação da festa que todos esperam, de uma ou outra maneira, ou por um ou outro motivo: o Carnaval.

Lamento dizer, mas é minha obrigação de observador: o Natal está se transformando na Quarta-Feira de Cinzas, como se o povo fizesse a penitência preparatória para o baile que virá depois, invertendo-se a situação anterior, quando as Cinzas eram a penitência do baile que aconteceu.

Se não é bem isso, parece-me que é por aí. Isso seria bom, seria um mal? Acho que não é nada desse maniqueísmo pelo qual pautamos a vida: bem ou mal, bom ou ruim, virtude ou pecado, céu ou inferno. Apenas é, ou está sendo assim.

Logo, que assim seja. De minha parte, este é um Natal feliz, pois é um Natal sem grilos, o cumprimento de um calendário. Não tem nada a ver com ele. Jesus Cristo passou a ser um pretexto para o Natal. Há pessoas, sei, que fazem do Natal uma festa simples e regozijante, de alegria cristã, aquelas que vivem suas vidas através da inspiração. Para elas, este será mais outro Natal, já que suas vidas e a de Jesus estarão integradas através da revisão e da reflexão.

O cristianismo não é uma civilização, não é uma sociedade, e o nosso erro de estar nessa insistência tola – ou hipócrita, não sei – de falarmos de civilização ou sociedade cristãs. Não existem. O que existem são pessoas cristãs, opção pessoal de vida.

A fé é uma opção pessoal, e se torna coletiva apenas quando há pessoas que se reúnem para viver conjuntamente essa mesma fé. E vivê-la é um estilo de vida muito especial. Que nada tem a ver com a sociedade que está aí. Viver o Natal sem ter vivido uma comunidade cristã, isso é uma tolice. Por isso, o Natal não tem qualquer sentido. E, por não ter sentido, angustia as pessoas. Sendo apenas um calendário, então tudo estará bem. Bom dia.

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