Névoas e vazio

pictureAndo complicando-me muito com as palavras. Fiquei com medo delas. Palavras têm sentido próprio e, de repente, receio dar-lhes o meu. Aquele que penso ser ou o que me convém. É uma agonia. Pois vivo da palavra escrita. E a palavra tem a capacidade de matar. Mata quem escreve, mata quem lê. Ou dá vida.

Perdi, nos últimos dias e em algum lugar, o sentido de escrever. Não sei mais porque escrevo, a razão de escrever. E isso foi bom. De repente, voltei a reencontrar a ausência de razão. Se não há qualquer necessidade de buscar-se uma razão para viver – vive-se, vivendo; vive-se para viver; vive-se por viver – não há, também, necessidade alguma de qualquer razão para escrever. Escreve-se por escrever. E quem o faz escreve, na verdade, para viver. É o que basta. Tal qual o músico, o pintor, o escultor. Morre-se de viver por isso. E para isso. E quase nunca se vive disso.

Palavras atemorizam-me de tal forma que sinto estar perdendo a espontaneidade. Esse cansaço repentino, por exemplo. Senti-o de uma forma tão absurda, muito mais na alma do que no corpo, que me compliquei. Percebi o suspiro da nostalgia. E, então, fiquei melancólico. Mas tive medo de confundir nostalgia e melancolia, com saudade. Eu poderia estar melancólico sem ficar nostálgico. E estar nostálgico sem melancolia, na redescoberta da saudade. O frio repentino e absurdo fez tudo acontecer-me na alma. No fundo de mim, entendi as coisas, entendi-me. Mas as palavras me atrapalhavam. Nostalgia é como que saudade de um lugar. Os exilados sentem saudade de sua pátria, de sua terra. Isso melancoliza. Mas nem toda melancolia brota da nostalgia. E nem toda saudade. Pois há saudade de um tempo e saudade de alguém. E de alguém num lugar e de um lugar num tempo. Na realidade, tempo e alguém sempre nos levam a um lugar. Logo, não terei lugar algum se não conseguir harmonizá-lo com o tempo, com o meu tempo.

Compliquei-me, pois, diante das palavras. E a culpa foi desse cansaço extemporâneo, absurdo, inesperado. Ele trouxe o que não estava esperado. Então, assisti à surpresa de minhas plantas, dos pássaros que brincam de gangorra nos galhos das árvores, que cantam ao lado da janela de meu quarto. Todos se assustaram. Flores murcharam, pássaros fugiram, sons desapareceram. Não havia mais nem Inverno nem aquela Primavera antecipada. Era o Tempo em busca de si mesmo, descontrolado pela estupidez humana capaz de transformar Primavera em Inverno, Outono em Verão.

O homem enlouquece a Natureza, que não tem inteligência humana para obter lucro das coisas e sentir-se em paz. A Natureza sangra quando atingida. Pois não está preparada para surpresas. Ela é um ritmo. E tem a burrice profunda, imensa, infinita da simplicidade do cotidiano. Nela, tudo, ao mesmo tempo, se repete e se transforma. A Natureza – ao contrário do cientista frio que não a viu repetir-se mas apenas transformar-se – repete-se sempre, repete-se a todo instante. E é esse o grande milagre: repetindo-se, transforma-se.

Houve algo nostálgico. De um tempo diante do qual – como o próprio Tempo – eu me perdera. Vi Primavera ainda no Inverno. E, vi Inverno, pensando fosse Primavera. Foi uma confusão do tempo, uma nostalgia, essa saudade de lugar. Entendi a alma reagindo: quando o Tempo não se define, também não há Lugar. E, se se encontra o Lugar, o Tempo não importa. Pois lugar é onde se fica. Nem que seja para ver o tempo passar. Mas são besteiras minhas. Bom dia.

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