No mar, o velho e a paixão

picture (11)A internet não deixa de surpreender jamais. Espalha-se por todos os cantos, como um vento entrando por frestas. E o leitor responde, participa, reage, interage. E, conforme a reação ou a resposta, o escrevinhador fica perplexo. Quase sempre, assustado. De minha parte, assusto-me. E me convenço, cada vez mais, de que escrever é atitude suicida. Tão perigoso quanto viver.

É nudez de alma e, dela, o leitor compartilha. E se desnuda também, na revelação de que os corações humanos são pedaços de um imenso, único e universal coração. A mesma lágrima – que escorre aqui – escorre, pelos mesmos motivos, numa esquina de Paris.

Fico enredado, ainda, com e-mails que chegam a respeito do já distante romance que escrevi, “Miserere mei, amor”. Notas e informações a respeito do livro ainda aguçam a imaginação do leitor a respeito da paixão. Paixão, o que é? E amor? São perguntas generosas mas angustiadas algumas delas. Ora, como explicar sentimentos que se não explicam? Sei, apenas, que, diante de uma pessoa apaixonada, alegro-me – pelas alegrias de paraíso que ela haverá de conhecer – mas também me entristeço pela dor que virá, dor infinita, dor sem fim. É apenas isso que sei da paixão: alegria e dor, céus e infernos, vida e morte, felicidade e infelicidade.

Não, não entendo de paixão. Não conheci, ainda, quem pudesse entendê-la. Mas foi aqui, nesta coluna – em edição impressa – que, pela primeira vez, contei desse livro que me foi saindo da carne, da alma, do coração, de cada músculo, como que fecundado por glândulas e hormônios. Ele nasceu no mar, numa praia deserta. Certa manhã, na água azul e sob um céu azul – o ar impregnado de sol e de sal – foi como se o raio caísse, estalando na inteligência, rompendo crostas do coração, rasgando-me a alma tecida com tantos subterfúgios. Corri em direção à árvore, sob a qual eu tinha deixado minhas coisas. Não havia mais ninguém. E, por isso, nenhuma outra opção: eu, comigo. A alma parecia-me ter-se confinado dentro dos pulmões, querendo escapar a cada arfar de peito. Então, tomei da caneta e do bloco de papel, sentei-me na areia, os dedos pareciam apenas escrever o que já vinha pronto, ditado, ordenado pelo coração. Eu me engravidara do livro.

Naquela praia, um velho pescador disse-me coisas e e as transcrevo, incorporando-as ao livro. Lá estava um homem do povo, um andarilho de praias, falando da paixão. Algumas de suas falas:

“Amor é destino. Logo, é sofrimento. Quando o homem ama, até ficando junto sente saudade. Não tem sábado, não tem domingo. Aquela mulher me jogou no passado. Meu presente era ruim. Então, com ela, fiquei criança. Parei naquele mundo. Quando acabou, voltei para o presente e estava tudo pior. Fiquei triste. Agora, estou no futuro. E, no futuro, não tem nada: é o simples dia a dia. Amar foi, para mim, um vôo tão alto que, quando vi, ela tinha escapado e eu passei direto.”

E prosseguiu:

“A mulher olha, escolhe, não precisa de um homem especial. Mulher tem segredos demais e o homem não entende. Para a mulher, a vida nunca acaba enquanto puder dar frutos. Por isso, a mulher faz o homem ser único em cada vez. Depois, ele não tem mais importância. Por isso, quando me lembro daquela mulher, sinto quentura. O peito ventila. Bastava ver e eu parava, respirava, a perna mexia para eu ir até onde ela estava. Mais do que andar, minha perna queria que toda minha carne funcionasse. (…)Depois do amor, há conversa, os dois brincam, o homem vira menino. Eu, com a mulher amada, não tenho medo de gritar. E a mulher amada grita. Entre amantes, nem todo dia é igual a outro dia. Na cama, é tudo ou nada: o presente, o prazer, o desejo.”

Ora, basta ser vítima da paixão para escrever um romance sobre essa tragédia que os céus – ou os infernos – prepararam para o ser humano. Olho para os lados e vejo multidões famintas e sedentas, vazios d´alma à espera de ser preenchidos. E ainda me pergunto: ela, a paixão, é graça ou castigo? Bom dia.

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