“O Brasil não é a Alemanha”

Jérome ValckeMonsieur Jérôme Valke – todo poderoso secretário geral da FIFA – nada tem da decantada “finesse” francesa, orgulhosamente civilizada. Age como um homem tosco. Ao afirmar que “o Brasil não é a Alemanha”, ele nada mais fez do que revelar o óbvio. E sua petulância o faz esquecer de sermos um país ainda adolescente, ao passo que ele – com sua arrogância – pertence a um grupo de nações originalmente composta por aquilo que os romanos chamavam de bárbaros.

Sem querer, ao referir-me a ele como um homem tosco,  percebi ter-lhe dado uma qualificação correta. Um francês tosco, referindo-se à Alemanha, acaba fazendo uma síntese histórica da barbárie originária da humanidade. A França, da velha Gália, bárbara e guerreira; o tosco de Jérôme, da também velha Toscana; e a Alemanha, antiga terra de bárbaros, a Germânia violenta e selvagem. Região de celtas e de etruscos, um longo processo histórico levou à construção de uma civilização que se tornou referencial no mundo: a França, da “civilization”; a Alemanha, da “kultur”.

Mas foi um processo de muitos séculos. De bárbaros a civilizados, passaram-se milhares de anos. Séculos tantos, tantos séculos que suas origens  remontam pelo menos à Idade do Bronze. Como evitar que essa longevidade da qual Jérôme é herdeiro não signifique um esgotamento, anúncio e sinal de um fim? O Brasil jamais poderá ser comparado à  Alemanha de Jérôme Valke. Somos simples adolescentes. Em formação. Titubeantes. Indecisos. Até mesmo infantis. Mas com um potencial que nenhum outro país tem para nos tornamos, em tempo não muito longo, berço de uma nova, vibrante e generosa civilização.

As origens e o DNA da Alemanha – de celtas, de guerreiros, de bárbaros – permitiram que aquele grande país retornasse ao seu umbigo germânico. E produziu um Hitler e milhões de fanáticos que acreditaram em uma raça pura. Eles, os arianos, os nobres, os excelentes. O Brasil é – por suas raízes, apesar de políticos irresponsáveis – a nação do “homem cordial”, de que falava Sérgio Buarque de Hollanda. E, também, a nova alvorada do mundo, proclamada agora, enfáticamente, por Domenico De Masi: semente de uma nova civilização, berço de uma nova cultura. Somos o país que – nos tempos de conflitos por povos que migram sem cessar, no contexto da chamada globalização – já nasceu conhecendo a miscigenação, a convivência entre etnias, uma alma coletiva de “doçura”, como afirma De Massi.

Jérôme Valke – tentando diminuir-nos – reafirmou uma grande verdade: o Brasil não é Alemanha. E jamais o será. Com todos os nossos vícios, defeitos, deficiências, perplexidades – estamos em fase de crescimento amadurecido pela convivência entre diferentes. O que, agora, parecem defeitos e falhas, irá, amanhã, revelar-se como diamantes brutos em processo de burilação. E, então, a humanidade verá brilhantes surgindo no anúncio de um novo mundo: mulato, inzoneiro.

Esse Brasil mulato fará a Copa do Mundo com o “jeitinho brasileiro”. E esse nosso “jeitinho” – quando aperfeiçoado – será um novo modelo para o mundo. Um modelo humano e feliz.  Bom dia.

2 comentários

  1. Antonio Carlos em 13/05/2014 às 22:56

    Arrazou, Cecílio.

  2. Delza Frare Chamma em 19/05/2014 às 15:08

    Muito bom, Cecílio!!!!!!!!!! Nas linhas e nas entrelinhas, no explícito e no subtendido, seu texto deu a resposta que merecia o Sr. Jérôme Valke.

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