O casal judeu

O impressionante em tudo isso está em que todo o cristianismo é, antes de mais nada, um história judaica. As promessas que se realizaram são judaicas. E judaicos, os personagens. O paradoxo é que o judaísmo acabou não a aceitando conforme contada, narrada e vivida pelos que se tornaram cristãos.

É uma pena que o entendimento do mito se tenha banalizado a ponto de ser confundido como simples lenda. Na realidade, a palavra, de origem grega, significa história. É fascinante o estudo do mito, como fascinante é a mitologia em seus mais variados aspectos. O que se sabe é que o mito representa uma forma de pensar absolutamente válida e necessária para o homem descrever o seu mundo. Assim, mito e poesia podem amalgamar-se, como outras linguagens figurativas, metafóricas. Fiquemos, porém, apenas com o conceito de narrativa, que consegue estabelecer elos entre o real e a ficção, entre o concreto e o abstrato. Em resumo: é o fantástico na vida humana.

A vida de Jesus – do nascimento à morte – está na ordem do fantástico. Tudo acontece para confirmar o que fora previsto, inscrito no Testamento antigo, todo ele judaico. O estudo comparativo dos chamados Velho e Novo testamentos mostra, surpreendentemente, como que uma seqüência de causa e efeito, do prometido e do cumprido. E, então, com José e Maria, casal judeu, ocorre o que seria, para os futuros cristãos, a boa nova. Nasce um menino, também judeu, que passaria a ser o início de uma nova história, de povos e de um mundo.

Nessa aventura mitológica – no sentido da narrativa fantástica da vida de José e de Maria – impressiona a fidelidade do casal às suas tradições judaicas. Tudo, na jovem mulher e no homem maduro, transpira judaísmo: o respeito à lei, a devoção, a fidelidade à tradição, aos deveres e obrigações. Por isso, tornou-se impossível, mesmo após dois mil anos, cortar o cordão umbilical do cristianismo de suas origens judaicas. Sob novas formas e rituais, até mesmo em nova cronologia, a raiz judaica está preservada: a Páscoa, o pão e o vinho, abstinências, jejuns, textos litúrgicos. Mas a ruptura se dá quando o menino judeu se torna, após sua morte e ressurreição, reconhecido como Filho de Deus, o Salvador, o Cristo. Surge uma nova civilização, a cristã, ironicamente nascida de alguém que se manteve judeu até o fim e que jamais foi cristão, o próprio Jesus Cristo.

É uma mitologia riquíssima que, infelizmente, não tem sido valorizada por estudiosos céticos com a mesma profundidade e prazer com que analisam mitologias outras, como a grega, a romana, a celta. Há, entre todas elas, semelhanças extraordinárias e a jovenzinha judia, Maria, ao engravidar, gestar e gerar em plena virgindade se torna venerada como outras deusas virgens, geradoras de filhos, foram cultuadas e veneradas em outras culturas e religiões.

O Natal faz parte dessa mitologia cristã, uma história cheia de encantos, magias e mistérios que, pela fé dos que creem em Jesus Cristo, se transformou em acontecimento que atravessou séculos e compôs uma civilização. O casal judeu, José e Maria, humildes e pobrezinhos, desamparados e exilados em si mesmos tornaram-se o ponto inicial dessa história cristã, fantástica e indecifrável. Se Maria não tivesse acreditado no Anjo Anunciador, se José não tivesse acreditado em Maria, a história sequer teria começado. Fábula, lenda, ficção? Não. Apenas e gloriosamente, mito. Bom dia.

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