O destino também viaja de avião
O conceito de destino inquieta a humanidade desde os seus primórdios. Se existe, como explicá-lo? Se não existe, como entender? Destino e acaso seriam semelhantes? Ou haveria, realmente, uma ordem universal à qual pertencemos? E, se essa ordem há, exterior ao homem, não poderia, ele, transformá-la, modificá-la? Pode, o homem, por sua própria vontade, impedir aconteçam mistérios que desconhece?
A morte de Eduardo Campos – pelo inesperado e pela violência como ocorreu – teve o amargo dom de nos levar a indagações sem respostas. Por que Marina Silva recusou-se a viajar no mesmo avião? Por que num dia 13 de agosto – dia folcloricamente aziago – data da morte de seu avô, Miguel Arraes? Por que, por que por que?
Voltamos – ainda outra vez e como sempre – a oscilar entre o relativismo que nos explicam a ciência e a filosofia. A ciência sabe o “como” das coisas, mas não explica o “porquê”. A filosofia vai em busca do porquê, sem cuidar tanto do “como”. E ficamos com explicações ou respostas parciais. Uma explicação de Plotino talvez possa nos aquietar diante das indagações. Para ele, o destino existe nas coisas inferiores. Nas superiores, existe a providência. Por esse raciocínio, Eduardo Campos não pode ser colocado em nível inferior e, portanto, não foi vítima do destino. Resta, então, a providência. É, então, que a pergunta ainda mais angustia e perturba: por que a providência levou-o de forma tão cruel e trágica?
José Serra – certamente, sem refletir em nível pelo menos humano – mostrou, ainda outra vez, a sua insensibilidade, colocando Eduardo Campos em condição de objeto. Pois, ao saber da tragédia, Serra explicou-se: “Perdemos PARTE (grifo meu) importante do tabuleiro político.” Não era um ser humano destruído de maneira brutal, mas simples PARTE de um jogo político, nas regras sórdidas de uma eleição. José Serra, em meu entender, teve a oportunidade de nos alertar seriamente a respeito do pensamento de políticos ávidos de poder. Ora, se Eduardo Campos é parte de um jogo, o que somos nós, a nação brasileira, para a classe política? Ou é apenas José Serra quem pensa assim?
John Steinbeck, num de seus perturbadores e geniais livros – “O destino anda de ônibus” – compõe a história de diversas pessoas que, por uma interrupção em viagem de ônibus, vão-se envolvendo, relatando seus dramas, dificuldades, problemas. Esse encontro ocasional provoca reações e outros acontecimentos, mudando a vida e o pensamento de cada um deles. Segundo Steinbeck, o destino usara o ônibus para agir. Agora, o mistério fez uso de um avião para transformar as coisas.
A dura realidade, no entanto, é que não nos cabe fazer indagações abstratas, nem fazer perguntas que não terão respostas, a não ser as parciais. A reflexão, creio eu, é a respeito da fragilidade humana no universo, de nossa missão e responsabilidade ainda em vida. Pensar nos bens que nos foram dados, no especialíssimo dom da vida, buscando a mais importante das sabedorias, que é a sabedoria de viver. Especialmente os políticos deveriam – por sua responsabilidade em relação ao povo – compreender a finitude e a fragilidade das coisas, consagrando-se, então, ao bem, ao serviço do povo. E não aos apetites também fugazes e tolos.
Há, na cultura popular, um entendimento que pode – ou deveria – ser mais saboreado do que as conclusões da ciência e da filosofia. O povo diz: “Se você quiser ver Deus dar gargalhadas, mostre para Ele os seus planos de futuro.” Bom dia.
Destino, amigo Cecílio? Providência? Plotino define assim nossa finitude? E ainda fazendo uso de conceitos classistas? Inferior… Superior… Não seria mais simples descrever o que é observável pela ciência: – que a célula nasce, se desenvolve, entra em decadência e morre? O ateísmo, uma filosofia de escolha pessoal, possui uma vasta quantidade de implicações à condição humana. Com a ausência da crença num deus, as questões éticas devem ser determinadas em função dos objetivos e preocupações humanas, cabendo a nós assumir responsabilidade total pelo nosso destino. A morte, nessa visão, marca simplesmente o fim da existência de um indivíduo. Vede Epicuro, Cecílio, tão diferente de Plotino, e criador do célebre argumento filosófico: – “se Deus quer suprimir o mal e não pode, é impotente; se pode mas não quer, é invejoso; se não quer nem pode, é invejoso e impotente; se quer e pode, por que não o faz?” Mas, Cecílio, amigo, concordo com você, que para nós, seres humanos vivos, a maior angústia existencial, sem dúvida, é nossa finitude. Os que são ateístas a enfrentam sozinhos e os que são teístas fazem uso de explicações transcendentais, destino, deuses e existência de outras vidas que minimizam esse grande mal existencial.