O marido de Patrícia Pillar

Patrícia Pillar e Ciro GomesPor minhas andanças na vida, tive algumas relações próximas com políticos do Norte e Nordeste brasileiros. Foi quando descobri o abominável equívoco dos paulistas ao insistir em ver o Brasil a partir, apenas, da óptica de São Paulo. Somos muitos países num único país e São Paulo, na verdade, é unidade como que autônoma, que caminha sozinha, com uma burocracia de funcionalismo público altamente competente. Não se consegue, por exemplo, diferenciar uma administração de um Orestes Quércia de um José Serra, tanto, aliás, que se tornaram companheiros da próxima jornada. São Paulo vai caminhando sozinho, com uma arrecadação formidável mas, no entanto, com graves problemas sociais que se vão avolumando. Para simplificar: São Paulo não é Brasil. E talvez, nos equivocados e antigos sonhos separatistas, pudéssemos ser – se apartados do restante do Brasil – um dos países mais evoluídos do mundo. Mas isso é criminoso até de pensar.

O fato é que São Paulo não é Brasil, não pensa como o Brasil, não tem coração de um verdadeiro Brasil que existe em outras mais pobres e sofridas unidades da federação. Nosso olhar para os demais estados é de uma superioridade insuportável, como se deixássemos de ser “nós” como um todo, divididos inconscientente entre “paulistas e os demais”. Olhar o Brasil por esta óptica é enxergar tudo errado. E isso, talvez, explique até mesmo o susto da aristocracia política paulista diante da exuberante popularidade do Presidente Lula que é amado e reverenciado em praticamente todos os estados da federação, falando a linguagem desse povo que não é paulista.

Por outro lado, conhecer lideranças políticas do Norte e do Nordeste é experiência também assustadora. E quase sempre melancólica, o que não significa generalizações absolutas. Ao longo de cinco anos, na década dos 1980, vivi essa experiência, estando muito próximo de governos e de governantes nordestinos e nortistas. O espírito de coronelismo, hereditário desde a chegada dos portugueses, continuava inteiramente vivo, ainda que com formas mais brandas. É como se uma alma escravocrata pulsasse em lideranças geralmente populistas, muitas das quais se tornaram carismáticas. Certa feita, no Recife, vi um senador – que chegaria a ser Ministro da Justiça – dirigir-se ao motorista oficial com uma grosseria preconceituosa insuportável: “Dirija mais rápido, seu negro filho da p…” – gritou ele. O motorista, de cabelos brancos, sorriu e eu pensei ter-se tratado de uma brincadeira de mau gosto. Mas as ofensas se repetiam e, então, percebi que eram verdadeiras. Lá estavam, ainda vivas, a casa grande e a senzala.

O temperamento de Ciro Gomes reflete essa pretensiosa arrogância da aristocracia política cearense. Quem já viu o senador Tasso Jereisatti aos berros quando contrariado, percebe o mesmo personalismo patriarcalista. Ora, ninguém nega seja Ciro Gomes um político brilhante, com carisma, mas de tal forma imprevisível nos seus humores e posicionamentos que se torna personagem nem sempre confiável. De que lado está, o que pensa, o que pretende, para onde irá? Na verdade, a sua ambição de poder levou-o a atitudes que beiram o patético, como a sua dócil transferência de domícilio eleitoral para São Paulo, ainda que ele justificasse o ato como um retorno ao estado onde nasceu.

Talvez, ninguém, a não ser ele, tivesse acreditado em sua candidatura à presidência da República, mostrando-se muito mais uma peça importante num jogo de xadrez que o próprio presidente Lula jogava e ele aceitava. A mosca azul voltou a picar Ciro Gomes, cegando-o, agora, talvez de maneira definitiva. A sua mágoa e o seu ressentimento se tornaram tão óbvios que lhe roubam um mínimo do antigo respeito que suas palavras impunham. O repentino elogio dele a José Serra, mais do que irônico, é vitupério. Eles não apenas são ferozes adversários: detestam-se pessoalmente.

Foi uma pena. Jogador que não sabe perder cai no descrédito. O grande erro de Ciro Gomes foi, saiba-se lá, ter esquecido um de seus melhores e mais admirados atributos: ser marido de Patrícia Pillar. O imaginário brasileiro até poderia criar fantasias de ver Patrícia Pillar como primeira dama do Brasil, talvez competindo em beleza e graça com a Carla Bruni. Mas nem ela, Patrícia, pelo jeito, consegue levar equilíbrio ao jovem coronel político forjado no Ceará. Agora, é esperar a próxima mudança de humor de Ciro Gomes. Ou revelação de caráter? Bom dia.

Deixe uma resposta